Acompanhado de sua família no palco, Gilberto Gil volta a Porto Alegre para três shows. Ele apresenta a turnê In Concert desta sexta-feira (3) a domingo (5) no Auditório Araújo Vianna (veja detalhes ao final do texto).
Em um espetáculo em que revisita sua carreira, Gil se apresenta ao lado dos filhos Bem Gil (violão e guitarra) e José Gil (bateria e percussão) e de seus netos João Gil (violão e baixo) e Flor Gil (teclados e vocais).
O músico baiano atendeu à reportagem de GZH em uma terça-feira de Carnaval e não deixou de comentar a festa, que voltou a ser plenamente celebrada no Brasil após dois anos de pandemia. Também falou sobre o show, seus projetos, sua família e os desafios de Margareth Menezes no Ministério da Cultura.
Gil, como está sendo o Carnaval para você?
Está bom. Com uma dose extra de vontade e ansiedade por parte dos foliões porque ficaram dois anos sem Carnaval. Dois anos sem Carnaval no Brasil é quase como se fosse uma crise de fome (risos). As pessoas estão muito ávidas, está tudo muito cheio e animado. Por conta da pandemia, a ansiedade pelo Carnaval ficou maior.
Você mencionou esse sentimento de fome por conta dos dois anos sem Carnaval. Na sua opinião, por que o brasileiro precisa tanto do Carnaval?
Pela sua formação e por coisas que foram trazidas para cá por outras culturas, o Brasil fez do Carnaval sua grande síntese. O povo de todas as procedências, raças, religiões e costumes, tudo isso se junta no Carnaval. É um momento maior da cultura brasileira, que opera um verdadeiro milagre. No Carnaval se vive intensamente a ilusão da unidade da diversidade. É uma festa milagrosa. É um milagre também no sentido de que tudo isso acontece com o mínimo de desentendimento e violência. Carnaval é o grande milagre brasileiro.
Falando em Carnaval, imagino que Preta esteja com saudades da festa. Como tem sido acompanhar a recuperação de sua filha (a cantora e empresária, que é filha de Gil, está em tratamento contra um câncer no intestino)?
Ela está se cuidando. Preta é uma personalidade muito forte, voltada aos aspectos decisivos da vida. Ela tem muita capacidade de decisão. Agora ela está vivendo um momento de cuidar um pouco mais delicadamente da saúde. Saúde todo mundo cuida o tempo todo, mas em um momento mais delicado a exigência é maior. Ela agora está sendo exigida por essa dificuldade. Está focada, se dedicando muito intensamente em todo o tratamento, que estamos acompanhando com afeto e cuidado.
Durante o Carnaval, Margareth Menezes se apresentou no seu camarote, Expresso 2222. Ela está no comando do Ministérios da Cultura, pasta da qual você esteve à frente entre 2003 e 2008. Imagino que ela tenha conversado com você sobre esse desafio. Como foi essa troca?
Para mim, ela está se adaptando muito bem. Conversou muito brevemente comigo no momento em que foi convidada, buscando naturalmente um estímulo e as reflexões a respeito de alguém que já passou por lá, que também tem em comum com ela o fato de ser egresso do mundo artístico. Aqui no Carnaval conversamos mais longamente, e a Margareth já relatou o que ela vem passando, as dificuldades que a pasta apresenta depois de quase quatro anos de desleixo por parte do governo anterior. Margareth tem um gosto real pela gestão, seja da carreira dela ou de suas ramificações com o mundo sociocultural da Bahia, pois ela tem empreendimentos culturais que promove na Bahia. Foi uma conversa muito interessante. Margareth tem se prontificado a trabalhar para enfrentar as dificuldades, o que é importante.
Você mencionou que houve um desleixo por parte do governo anterior com a Cultura. Na sua opinião, quais serão os principais desafios que Margareth deve enfrentar na pasta?
Houve um desmonte muito objetivo, porque era a finalidade da visão do governo (anterior) sobre a Cultura. Havia esse apelo às questões ideológicas, com grande dificuldade em aceitar as orientações culturais político-ideológicas de muitos setores da vida cultural brasileira, um reacionarismo forte em relação à dinâmica dos costumes. O grande desafio será retomar o interesse maior do Estado pela vida cultural, aquilo que o governo pode ajudar, no desenvolvimento do fomento e a guarda de vários aspectos da tradição. Em segundo lugar vem como o governo recepciona as novas propostas das manifestações culturais recentes. O governo tem que ter uma atenção para as novidades.
Estar sempre se adaptando.
Outra coisa: ainda que o governo tenha o papel do fomento e do desenvolvimento, a vida cultural basicamente vive por si. É o encontro das várias linguagens de expressão da sociedade, como dança, cinema e teatro. Isso tudo anda sozinho. As pessoas produzem cultura da mesma forma que produzem seu alimento. Cultura é expressividade permanente. O governo precisa prestar atenção para não querer arcar com todos os resultados em relação à vida cultural. Precisa ter cuidado de entrar com papel complementar, de auxiliar o processo que existe na sociedade. Muitas vezes, a opinião pública pensa que o governo irá tomar conta ou trabalhar todas as vertentes da cultura. Isso não é nem saudável. Agora, precisa de uma complementaridade natural: a proteção dos setores menos privilegiados, o fomento dessas áreas, a garantia de recursos para que a vida cultural se dê com segurança e condições de infraestrutura.
Falando do show, que vai encher três noites do Auditório Araújo Vianna. Você volta à capital gaúcha com a turnê In Concert. Como esse espetáculo foi construído e como você elaborou o repertório?
É fruto de uma junção que a gente fez há dois anos para a Europa, com meus filhos e netos. Então, temos meus repertórios de longa data, mas também meu interesse por repertórios periféricos de outros autores brasileiros e internacionais. Uma canção americana aqui, uma canção europeia acolá. Eu e os meninos e meninas acabamos tocando desde coisas mais antigas até músicas mais recentes. É um repertório aberto às adjacências. Vamos ver o que será escolhido para apresentarmos em Porto Alegre.
Como é tocar com a família? Que tipo de sentimento bate ao dividir o palco com filhos e netos?
O primeiro sentimento é de unidade, mesmo. De conforto. Estar tocando com pessoas que cresceram ao meu lado, que se nutriram da minha experiência de vida. E se beneficiaram também de uma visão de mundo, que sempre foi compartilhada entre nós. Todo modo de criação da família se reproduz ao estarmos no palco. É o momento em que essa vida familiar é compartilhada com o público.
Aos 80 anos, que você completou em 2022, como tem se sentido no palco?
Tem sido bom, mas evidentemente o fluxo de energia de um homem de 80 anos é diferente de quando tinha 20, 30 ou até 50 anos. Agora tudo é mais pausado. Mais assentado. O fluxo energético é mais domesticado, mais simplificado. O homem de 80 anos tem uma performance diferente no sentido geral da vida. É outro momento, mas ainda com muito gosto pela música e pelo encontro com o público.
Aquela fome de palco, então, ainda o instiga a viajar pelo mundo e se apresentar?
Mas não tem a volúpia que tinha antes. É uma fome mais moderada, em que você vai escolhendo os sabores de uma forma mais condensada. Escolhe aqueles alimentos que mais te satisfazem, sem aquela volúpia pela quantidade, mas sim pela qualidade.
Como costuma ser para você visitar Porto Alegre? Tem algo daqui de que gosta de lembrar?
É uma cidade de que gosto muito. O velho centro de Porto Alegre, a região portuária (Orla), que ao longo dos anos foi se misturando com a vida cultural, a comida gaúcha, de que eu gosto muito. O churrasco. Porto Alegre sempre teve uma vibração cultural muito forte, e continua tendo. Uma cidade por onde transitam vários projetos e expressões artísticas. Acabei fazendo amizades e cultivando afetos com pessoas queridas daí.
Aliás, falando de sua relação com Porto Alegre, mais especificamente de um clube local. Esses dias a Flor publicou nas redes sociais uma foto sua vestindo uma camisa do Grêmio, o que repercutiu por aqui...
Sou gremista como Lupicínio Rodrigues era.
O que o atraiu ao Grêmio?
Sou gremista porque gosto das cores. Tenho clubes em vários lugares do Brasil. Meu time primeiro é o Bahia, que é um tricolor também. Depois, o Fluminense, que é um tricolor também. Sou tricolor em Pernambuco, gosto do Santa Cruz. Em Porto Alegre, é o Grêmio. Tenho um pouco essa mística com as camisetas tricolores. Também há clubes que aprecio que não têm as três cores, como é o caso do Cruzeiro e do Santos. Mas os tricolores são os meus preferidos, e o Grêmio está nessa cota.
Tenho um amigo colorado que costuma repetir que a coisa de que ele mais tem inveja do Grêmio é o fato de você ser um torcedor.
Pois é (risos). O Inter é um clube importantíssimo. Lembro de acompanhar Larry, Bodinho, vários jogadores colorados. Acompanhei com muito interesse as grandes disputas do Inter com o Cruzeiro na década de 1970. Sou gremista, mas tenho uma admiração muito grande pelo Internacional.
Mês passado, foi lançado um remix produzido pelo DJ MAM do clássico Expresso 2222. Como surgiu a ideia de relançar essa música?
Foi dele. DJ Mam é um criador novo que trabalha esses gêneros novos da música, mas tem muito gosto e respeito pelo que o antecedeu. E ele resolveu fazer essa versão atualizada do Expresso 2222. Fiquei bastante satisfeito e gratificado.
Falando nisso, o disco que leva o nome dessa música completou 50 anos em 2022. Hoje, como aquele disco de 1972 ressoa para você? De que maneira percebe que é decisivo em sua trajetória?
Retrata bem os compromissos intelectuais e espirituais da época. Do que a gente gostava e curtia naquele momento. Toda a coisa da Era de Aquarius, a cultura hippie. O papel que uma cidade como Londres tinha na divulgação da música popular do mundo. A música Expresso 2222 representa tudo isso, e o repertório do disco fala muito das minhas próprias raízes ancoradas na música nordestina, no baião, no meu interesse pela grande música do mundo. Acho que é um álbum que marcou o fato de eu viver um tempo em Londres. Tive que sair do país compulsoriamente por causa da ditadura. Lá em Londres, tive a oportunidade de me aproximar de vários criadores e realizadores do entretenimento. Quando voltei com o Expresso 2222, voltei com toda essa bagagem, tocando guitarra elétrica, fazendo experiências novas. Acho que esse disco me introduz a esse novo ciclo da minha carreira, quando voltei, em 1972.
Em janeiro, estreou a terceira temporada de Amigos, Sons e Palavras (programa apresentado por Gil no Canal Brasil e no Globoplay). Há participações de nomes como Fernanda Montenegro, Liniker, Marcelo Adnet, Demétrio Magnoli, Gabriela Lemos, Gregorio Duvivier, Laymert Garcia, Hermano Vianna e Ronaldo Lemos. O que você destacaria desses novos episódios?
Foram encontros com artistas, colegas da vida musical, humoristas, atores e gente de outros campos, de interesses pela ciência e pela política. Nessa última versão, nós temos uma turma interessantíssima para a realização de conversas, que não têm o formato clássico das entrevistas. São bate-papos com essas pessoas.
Quais são seus planos para 2023? Seguir em turnê? Algum disco?
Olha, ainda não tenho projeto de disco. Vamos lançar a segunda temporada da série Em Casa com os Gil, no Amazon Prime Video. Voltarei a fazer shows na Europa, além de viajar aqui pelo Brasil.
Gilberto Gil —In Concert
- Nesta sexta-feira (3) e no sábado (4), às 21h, e domingo (5), às 20h.
- Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685).
- Ingressos a partir de R$ 280 (inteiro) ou R$ 150 (solidário, mediante a doação de 1 kg de alimento não perecível) pelo site Sympla.
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e acompanhante.