O Rio Grande do Sul muito além do verde, vermelho e amarelo. Mostrar que o Estado pode seguir por novos caminhos é uma das propostas de Cores do Sul, que está sendo divulgada como a primeira coletânea musical gaúcha de artistas LGBT+. Realizado com recursos da Lei Aldir Blanc e executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas, a iniciativa pretende potencializar quatro vozes por meio de músicas inéditas e videoclipes. O material foi gravado ao longo dos últimos meses — seguindo as restrições impostas pela pandemia — e será lançado nesta sexta-feira (13) nas plataformas de streaming e no YouTube.
— O projeto surgiu da urgência que temos em ter mais protagonismo e representatividade LGBT+ na música feita no Rio Grande do Sul. Juntar esses artistas tão diferentes e diversos entre si, dentro de uma compilação musical, era nossa ideia motriz — conta Rafa Braz, um dos idealizadores.
Ele e os produtores culturais Alexandra Zambarda e Thiago Valentini ficaram responsáveis pela curadoria. O resultado reflete a premissa da equidade de gênero e étnico-racial. Foram escolhidos: Cassi3, uma drag queen que questiona a sexualidade e os corpos por meio do trap e do pop; Charles Frutas, que mistura folk e pop no intuito de ilustrar vulnerabilidades pós-adolescente e as fragilidades masculinas; Dessa Ferreira, exaltando sua ancestralidade com composições e ritmos afro-indígena brasileiros; e Ianaê Régia, com R&B alternativo que revela subjetividades e sentimentos humanos.
O projeto envolveu, diretamente, uma equipe de 19 profissionais, como produtores musicais, artísticos e gráficos, entre outros. As reuniões de pré-produção ocorreram de forma remota. Para as gravações das músicas e a captação das imagens dos videoclipes, cuidado redobrado, além do número reduzido de pessoas no set. Com isso, nenhum caso de covid-19 foi registrado entre os membros.
Aliado ao lançamento desta sexta-feira, está previsto para o próximo dia 22 um workshop online de criação de redes voltado a artistas LGBT+, no intuito de conectar os membros da comunidade. O comando da atividade ficará a cargo de Rafa Braz, que destaca a ânsia por perspectivas mais animadoras a partir do Cores do Sul:
— Como a música diz, "eu sou do Sul, a minha terra tem o céu azul". Para o público, nosso maior legado é mostrar que também há um arco-íris com outras cores que deixa nossa cultura mais diversa e plural. Para os artistas da coletânea, humildemente, queremos dar mais visibilidade e oportunizar que suas vozes sejam mais ouvidas. Para o futuro, desejamos que esse projeto inspire e encoraje artistas LGBT+ a colocarem seus trabalhos na rua.
Saiba mais sobre os artistas
Cassi3
Música: Bota (com produção musical de Bianca Rhoden em colaboração com Wilasco)
Carreira: "Eu não me recordo de alguma fase da minha vida em que eu vivesse sem música. Minha mãe e meu pai, por serem jovens, sempre foram muito ligados à música e artistas que surgiam no cenário musical nacional e internacional. Com isso, acabei me conectando muito forte à música, e não somente a ela, mas também com o videoclipe. Acho que sou de uma geração em que a música e o videoclipe já caminhavam muito juntos."
Preconceito: "Enquanto vejo muitos homens cis heterossexuais cantando sobre questões políticas e sendo ovacionados e aplaudidos, por muito tempo eu fui questionada e atacada nas minhas redes. Mas apesar de às vezes doer, isso também me trouxe vontade de encarar e ir pra cima buscando cada vez mais qualidade para o meu trabalho musical e visual, aprender mais e entregar o melhor de mim. Traçar estratégias e difundir meu som para abrir espaço ao meu discurso. Acabo me cobrando a dar o melhor de mim para amenizar as críticas. Acho que é um caminho comum entre artistas LGBT+."
Expectativa com o Cores do Sul: "Acho que uma das minhas expectativas já foi suprida. Conhecer esse time que está proporcionando esse movimento para artistas LGBT+, trocar experiência e aprendizado, isso foi uma das minhas grandes expectativas. Eu não poderia me sentir mais grato por isso. Tem sido incrível. Acho que outra grande expectativa é a possibilidade das pessoas conhecerem um lado meu que não conheciam."
Veja o videoclipe
Charles Frutas
Música: Sozinho pra Sempre (com produção musical de Bianca Rhoden, mixagem de Leo Braga e masterização de Olimpio Machado)
Carreira: "Minha ligação com a música começou quando eu tinha uns 13 anos. Cresci numa família muito religiosa, sou filho de pais pastores muito conservadores, então logo no início da minha pré-adolescência eu fui colocado em aulas de músicas da igreja, eu fazia aula de teclado e de canto. Lembro que, naquela época, eu sentia uma vontade enorme de cantar e me expressar e sentia meu carinho e ligação com a música ficarem mais fortes, mas, ao mesmo tempo, havia um conflito interno por eu associar a música com esse lugar mental e físico que me fez sentir preso dentro de mim por tanto tempo, já que eu ainda estava descobrindo a minha sexualidade."
Preconceito: "Como indivíduos LGBT+, nós crescemos com um sistema de autodefesa sempre pronto, por muitos de nós termos sido vítimas de preconceito antes na nossa vida pessoal. Então, é um medo que se estende na vida profissional também. Eu sei que hoje em dia a gente está chegando em um lugar muito mais representativo e inclusivo, quando olhamos para artistas LGBT+ de porte nacional como a Pabllo Vittar, Linn da Quebrada, Jup do Bairro."
Expectativa com o Cores do Sul: "A minha expectativa é que o projeto consiga iniciar essa conversa sobre a necessidade de existirem artistas LGBT+ aqui do Rio Grande do Sul em destaque regional e nacional. Espero também que, através do projeto, as pessoas se sintam encorajadas a conhecer mais artistas LGBT+ locais. E que o projeto tenha um impacto na nossa cadeia produtiva; que os curadores de festivais escalem artistas LGBT+ locais pros seus lineups; que os selos de música abram as portas para artistas da nossa comunidade; que as rádios incentivem e toquem artistas LGBT+; e que essa conversa sobre a necessidade de artistas LGBT+ prossiga e provoque mudanças significativas na nossa cena cultural."
Veja o videoclipe
Dessa Ferreira
Música: Ira de Euê (com produção musical de Dessa Ferreira e Bianca Rhoden, assistência de Alexandre Birck, mixagem de Leo Braga, masterização de Olimpio Machado e participações de Gutcha Ramil, Wagner Menezes, Dionísio Souza e Lucas Fê)
Carreira: "Minha relação com a música vem desde a concepção. Meus pais se envolveram em um dos forrós que costumavam ir. Os dois piauienses, forrozeiros, me contam que foi o forró pé de serra que embalou minha vinda. Isso pra mim é muito simbólico e poético, e realmente sou apaixonada por forró, amo tocar, dançar e cantar forró. Além de crescer ouvindo forró nas festas da minha família, também cresci ouvindo minhas tias cantarem ladainhas da igreja, vozes potentes, eu adorava ouvir e cantar junto."
Preconceito: "Por muito tempo me silenciei para que não soubessem quem eu sou, para poder passar despercebida pelas pessoas e pelas situações. A minha sexualidade foi uma das últimas coisas que eu assumi. Então, na arte eu não sofri tanto preconceito, pois as pessoas não necessariamente sabiam sobre a minha sexualidade. Atualmente venho só sendo e, sempre que posso e sinto, eu falo mais sobre essa Dessa que muita gente não conhece ou conhecia. Tenho me instruído e me fortalecido para conseguir lidar bem com essas situações e não deixar ninguém passar por cima de mim."
Expectativa com o Cores do Sul: "Minha expectativa é que mais caminhos se abram não só pra mim, mas pra todes es artistas LGBT+ do projeto e do RS. Que esse projeto dê visibilidade para nossos trabalhos autorais proporcionando novos convites como esse."
Veja o videoclipe
Ianaê Régia
Música: Flerte (com produção musical de Bianca Rhoden, mixagem de Leo Braga e masterização de Olimpio Machado)
Carreira: "Minha ligação com a música foi, desde criança, intuitiva. Comecei por reproduzir por mimetização e tocar músicas no violão e teclado por reconhecimento dos sons. Passei a me apresentar em público ao desenvolver repertório gospel e cantar na igreja da minha comunidade, no Leopoldina, aos 13 anos."
Preconceito: "Estar abertamente me relacionando com uma mulher já me tornou alvo de sexualização e objetificação masculinas. É uma forma de diminuição e menosprezo, uma forma sutil de misoginia que muitas vezes não passa pela peneira do que é ser preconceituoso."
Expectativa com o Cores do Sul: "Que artistas LGBT+ se sintam encorajades a trocar, incentivar e se deixarem ser incentivades pela cena cultural."