Um texto de autor desconhecido viralizou nas redes dizendo que o Brasil sempre respeitou a diversidade, é só recordar os antigos programas de humor (Viva o Gordo, Os Trapalhões, Chico City, Casseta & Planeta) e também nossos ídolos da música (vários gays) e do esporte (vários negros). Diz ainda que a turma do politicamente correto tem lutado contra “monstros” e “rótulos” que ela mesma criou (as aspas não são minhas) e que por isso o país está assim, chato pra caramba. Ao final, os créditos dessa obra-prima do desatino são repartidos com “todos aqueles com mais de 50 anos que, realmente, viveram livres e felizes”.
Através do saudosismo, o texto tenta manipular a emoção do leitor, que poderá cair nessa esparrela sem perceber que tudo o que este autor anônimo deseja é ficar em paz dentro da sua bolha. Maldita internet, que deu voz a todos, não? A gente ouvia Marina e se sentia moderno, ria com o Helio de la Peña e pronto: não havia preconceito no mundo. De repente, Marina, Helio e tantos outros artistas, jornalistas e ativistas se uniram a fim de mostrar que a bolha estourou e que inclusão não significa aparecer na TV. Inclusão se faz nas ruas, nas leis, em projetos sociais. Tédio, viu?
Saindo do sarcasmo e indo direto ao ponto: todo processo civilizatório se dá através de uma mudança de mentalidade, e ela não muda sem algum gasto de energia. Se os abolicionistas não fossem “chatos”, a escravidão não teria fim. Se as sufragistas não fossem “chatas”, mulheres ainda não poderiam votar. Se as feministas não fossem “chatas”, o mercado de trabalho continuaria sendo um reduto masculino e os feminicídios ficariam impunes. Não acredito em mundo ideal, mas acredito em um mundo melhor, e ele só melhora graças àqueles que não se acomodam, que insistem na busca por igualdade, justiça, evolução, tudo aquilo que os desinformados chamam de mimimi, fechando suas portas para a realidade não entrar. Optam pela alienação, que exige pouco dos neurônios. E é bem mais simpática.
O assunto merecia ser estendido, mas o espaço está acabando e não sinto nenhum prazer em chatear você. Então concluo: é um privilégio estar viva nesta época histórica em que questões identitárias estão presentes nos debates, nos livros, nas lives, nas entrevistas, a fim de avançarmos, mesmo que lentamente, para uma sociedade em que possamos não apenas assistir a pessoas gays e pretas nos palcos e estádios, mas conviver diariamente com elas dentro da família, e ainda ser tratadas por elas nos hospitais, aprender com elas em salas de aulas, ser defendidas por elas nos tribunais, viajar em aviões pilotados por elas e vê-las receber o mesmo tratamento da polícia.
Tire os chatos de cena e adivinhe quando chegaremos lá.