Eu devia ter uns 14 anos e estava numa festa em que meus pais também estavam. Até que tocou uma música. Percebi que era da banda preferida deles. Então olhei para o meio do salão e, ato contínuo, tapei os olhos, abrindo uma fresta entre os dedos para ter certeza: eles estavam dançando. Meu pai, minha mãe. Dois matusaléns beirando os 40 anos, parecendo um casal de travoltas. Que mico. Aliás, naquela época não se dizia “que mico”. Não lembro a expressão que se usava para a sensação de querer cavar um buraco e sumir. Será que minhas amigas estavam percebendo o “tio” e a “tia” jogando a cabeça para trás e os braços para o alto? Acho que não, elas deviam estar chocadas com os próprios pais, que também combatiam a morte ao som dos Bee Gees. Hoje esse constrangimento adolescente tem nome: cringe.
É uma gíria americana que está sendo utilizada para determinar algo que nos faz sentir vergonha alheia. Crítica sumária aos mais velhos, tipo ver a prima de 26 anos postando uma dancinha do Tik Tok ou sua mãe escrevendo “tipo” em vez de “como”.
Mais essa para o museu de grandes novidades. Se avexar com o comportamento de quem nos antecedeu é um costume clássico. O tribunal do mundo e seu júri impiedoso: olha a coitada que ainda mantém um perfil no Face, olha a calça skinny daquela bunduda, olha essa gente que ainda é fã do Harry Potter, olha a millennial viciada em café. Cringe.
Minha filha considera vergonhoso à beça usar palavras em inglês que possuem alternativas em português. E a outra filha desmaia cada vez que retiro um “à beça” do baú. As duas ficaram um tanto preocupadas quando comentei que estava pensando em escrever sobre este assunto.
Ninguém escapa. Você também será cringe por usar a roupa errada, assistir à série errada, defender a causa errada, nascer no ano errado. Refleti cinco minutos sobre a questão e cheguei à conclusão óbvia: na dificuldade de serem menos mordazes, os jovens renovam o vocabulário, reforçam sua superioridade sobre os caquéticos e mantêm a classificação de certo e errado sob seu domínio. Quem for diferente da sua tribo lhes parecerá sem noção e os envergonhará, e suas próprias manias e esquisitices envergonharão os que vierem logo depois. E assim caminha a humanidade, com as gerações indefinidamente ruborizando umas às outras.
Nós, os maduros de 50 e tantos, os coroas de 60+, observamos, a uma distância segura, esses recursos linguísticos pretensamente modernos, porém fadados ao desgaste e à substituição, e às vezes até adotamos a mesma linguagem, pegando uma carona no frescor juvenil. Mas nada como a atemporal liberdade de expressão em suas variadas formas: se a música é boa e o amanhã não existe, é nós na pista, jogando a cabeça para trás e os braços para o alto, pensem o que quiserem.