Desde março, não há mais baile no Clube dos Namorados. Localizado no bairro Medianeira, em Porto Alegre, o espaço se caracteriza por ser o ponto de encontro de um público de meia-idade e idoso, onde laços sociais são estreitados pela dança. Fechado por conta da pandemia de covid-19 e sem previsão de reabertura, o clube vazio estimula na imaginação de seus frequentadores um baile da saudade. Na quarentena, eles dançam em casa para suprir a carência da casa de shows.
No Clube dos Namorados, os bailes sempre têm início no meio da tarde, terminando antes das 22h. Nas quintas e sábados, há reuniões dançantes direcionadas à terceira idade. A trilha sonora que toca pelo salão é mais cadenciada, contendo de tudo um pouco: bolero e valsa, entre outros ritmos. Nas sextas, o espaço costuma ser alugado para eventos de terceiros.
Já no domingo, a casa de shows recebe um público de faixa etária mais ampla, o que inclui a presença de famílias. Nesse dia, costumam subir ao palco grupos regionalistas, como Os Serranos, Os Mirins e Os Monarcas, e bandas de baile, como Os Atuais e Musical JM.
O local promove bailes desde 1980. Antes, se chamava Bailão do Reci. Nos anos 1990, virou Clube dos Namorados. Iraci Ongaratti, 58 anos, trabalhou no local desde o primeiro ano. Mais conhecido como Gringo, foi garçom e depois gerente. Ficou um tempo fora e adquiriu o clube em 1997.
Foi no clube, nos anos 1980, que Gringo conheceu sua esposa, Carla – ela trabalha na cozinha do clube. Ao lado dele na administração do espaço estão três sócios: o filho Fernando Ongaratti,o irmão Sadi Ongaratti e o cunhado Geraldo Belloni. Um negócio de família.
Nas duas primeiras décadas, o foco da casa era promover bailões no turno da noite. Com a família Ongaratti no comando, gradativamente o perfil foi mudando para o vespertino, com a atenção mais voltada para a terceira idade.
– Antes era só bailão. Hoje tem música para tudo que é gosto – diz Gringo, que nasceu em Lajeado (RS).
Fernando lembra que o começo foi difícil. Na virada de perfil do clube, ele recorda que a confiança do público foi conquistada no corpo a corpo. E na dança.
– Meu pai ia para o meio do salão e dançava para as pessoas não irem embora. Lembro dele ir buscar os clientes na porta para bailar. Isso marcou a minha infância, pois foi muito difícil o começo – relata.
Para dançar no Clube dos Namorados é preciso seguir algumas normas: é proibido dançar com qualquer cobertura na cabeça (boné, chapéu e touca), e camisetas de times ou políticas estão vetadas. Calçar tênis também não é permitido: há um armário com sapatos de vários números que são emprestados para os clientes desavisados.
Dificuldades com a pandemia
Antes de a pandemia levar à suspensão das atividades, o Clube dos Namorados estava fechado para instalação de rociador de incêndios (chuveiro automático) – uma exigência dos bombeiros. Aliás, em 2014, a casa sofreu um incêndio na copa, que foi controlado. Houve apenas danos materiais.
Segundo Fernando, 90% da agenda de 2020 da casa estava fechada. Agora, o sentimento é de incerteza, pois não crê que o clube reabra antes de setembro.
– Não conseguimos enxergar uma data (de retomada). É tudo muito instável. Isso cria uma aflição muito grande. Está bem triste aqui. Nos seguramos como podemos.
De acordo com o empresário, o Clube dos Namorados segue com quatro funcionários na folha, mas demitiu outros três. Para alguns bailes maiores, chamava seis pessoas extras em média.
– Não tinha como segurar. Estamos vivendo como dá. Havia feito um investimento altíssimo. Gastamos uma fortuna para instalar os sprinklers (rociadores de incêndios). Não temos como inventar nada, não temos como tirar uma renda do clube. Meu ramo não tem uma flexibilização – reflete.
Com as atividades paradas, o estoque também se perdeu. Fernando calcula que mais de 200 caixas de cervejas venceram no período, além de refrigerantes e alimentos, totalizando uma perda entre R$ 35 e R$ 40 mil. Ele relata que tentou revender as bebidas para outros estabelecimentos e trocar com as distribuidoras, mas não obteve êxito. Alguns alimentos foram doados e outros foram jogados fora. O empresário reforça que além do prejuízo do estoque, o Clube dos Namorados segue pagando as contas de manutenção (luz, água e seguro, entre outras).
Para uma possível retomada, Fernando crê que inicialmente poderia trabalhar mais forte o domingo. Diz que seguirá todas as normas sanitárias “possíveis e impossíveis”. Pondera até segurar mais um pouco a reabertura por conta da faixa etária dos frequentadores, que exige mais cautela. Porém, não tem dúvidas:
– Tenho certeza que quando abrir as portas, vai ter fila de idosos.
Fernando conta que todo dia recebe mensagens que o questionam sobre a reabertura do clube:
– Esses dias me ligou uma senhora que disse que quando passa na frente do clube, de ônibus, vira o rosto para não vê-lo, senão começa a chorar.
De acordo com Fernando, o clube se tornou uma segunda casa para muitos frequentadores. São idosos solitários, cujos filhos moram longe ou sequer existem. Bastante apegados à casa, uma ansiedade os toma no momento.
– Há mensagens que dizem o seguinte: “Ai, meu Deus, quando vai voltar? Estou sozinha em casa. Estou com saudades de conversar com os amigos do clube”. São relatos que balançam a gente.
Amigo de vários frequentadores, Gringo conta que também costuma receber mensagens entristecidas.
– Muita gente liga chorando. Teve familiar que me ligou para contar que um frequentador morreu esses dias. Disseram que não foi a pandemia que o matou, mas sim a falta do baile. “O pai morreu por falta do salão” – descreve.
De acordo com Fernando, muitos desses frequentadores usam o clube para ter na dança uma atividade de exercício físico. E vai além disso:
– Também há a questão mental, porque vão ao clube e brincam, se divertem, conversam, fazem amizade. Então, é mais que simplesmente o entretenimento. É algo com vida para eles.
Frequentadoras dançam em casa
Aos 71 anos, Cledi Machado Paim frequenta o Clube dos Namorados há mais de uma década. Três vezes por mês, a aposentada porto-alegrense ia ao local acompanhada de seu marido, Cláudio. Por lá, a finalidade é deslizar pelo salão no ritmo de bolero ou valsa.
– Como a gente já tem uma idade avançada, preferimos uma música mais lenta pra dançar, romântica. É bom para saúde, para o corpo e a mente. Lá é um lugar apropriado – explica. – Todo mundo se diverte numa boa. Uma pena estar parado.
Cledi e o marido fizeram algumas amizades no clube. É normal visitarem ou receberem em casa esses amigos. Com a pandemia e sem o baile, fica a saudade do espaço e dos companheiros de dança.
– Não tem mais lugar para sair. Às vezes, a gente dança um pouquinho em casa - lamenta Cledi.
Frequentadora do Clube dos Namorados há 17 anos, Marinice Osório Burger classifica o local como “uma grande família”. Aos 62 anos, a funcionária pública federal vai à casa de shows sozinha, duas vezes por semana. Diz que tem uma missão a cumprir:
– Chego mais cedo para reservar uma mesa para as minhas amizades. Tem vezes que na minha mesa tem 20 pessoas. É como coração de mãe.
Além da música e da dança, Marinice ressalta que a amizade é um "ponto X" no acolhimento das pessoas no clube. Salienta que há muita afetividade envolvida entre os frequentadores:
– As pessoas se querem bem. Quando a gente se reencontra é uma grande festa. São muitos abraços.
Todavia, esses afetos e danças fazem falta na vida de Mari, mas não só dela.
– Tenho contato com amigos que também vão e a expectativa é só a volta do baile – conta. – Essa coisa do lado social está fazendo falta para muita gente.
Mari aprecia, essencialmente, os bailes de domingo. Tem preferência por um ritmo mais rápido para a dança. Nas domingueiras, ela desenvolveu um pouco mais o seu gosto musical.
– O clube tem história na minha vida. Conheci lá tudo que se imagina da música gauchesca. As canções que eu ouvia na rádio, que eram muito distantes, se fixaram nas minhas entranhas. Passei a cultivar a música e a dança gauchesca – avalia.
Na quarentena, Mari passa o tempo todo ouvindo música regionalista. Eventualmente, troca para Elvis Presley ou Alemão do Forró. Mas é com os ritmos do Rio Grande do Sul que lembra do Clube dos Namorados.
– Fecho a porta do meu quarto, calço um tênis e danço sozinha. Não é a mesma coisa, mas a alegria não pode parar. Tem que seguir.