Não é novidade: prestes a celebrar 40 anos, no dia 3 dezembro, o Bar Ocidente já fechou e reabriu algumas vezes ao longo de sua existência. Fosse por questões burocráticas, obras de reforma ou especificidades legais, o estabelecimento localizado no bairro Bom Fim (João Telles esquina com a Osvaldo Aranha) de pronto se readequava para retomar as atividades. Fechado desde março por conta da pandemia de coronavírus, o Ocidente enfrenta agora uma situação de muita incerteza com o que vem pela frente.
Inaugurado em 8 de dezembro de 1980, o bar se notabilizou nessas quatro décadas como efervescente reduto da boemia e da produção cultural porto-alegrense — reconhecido por ser um espaço de transgressão e de diversidade estética, artística e de gênero. Além de funcionar como restaurante durante o dia, o Ocidente abriga shows, festas (como a Balonê, a Goodbye Lenin e a Rockwork Orange, entre outras) e é o ponto de encontro do Sarau Elétrico às terças-feiras.
Para o proprietário do bar, Fiapo Barth, estar fechado é o de menos. O problema é a incerteza sobre o futuro, ainda mais de um lugar cuja essência é reunir pessoas.
— Não sei quando isso vai ser possível, o quanto isso será possível, com segurança. Essa sensação é o pior de tudo. O problema é que desta vez não tenho perspectiva, estou num limbo total, esperando para ver o que vai acontecer — lamenta Fiapo.
Nesse tempo em que o Ocidente está fechado, o empresário conta que tem se ocupado em reconstruir a estrutura do bar. Não que seja um período aproveitado para fazer obras, mas sim reparar danos: nesses mais de dois meses de interrupção das atividades, o casarão já foi invadido quatro vezes.
— As ruas estão desertas. Não temos policiamento, não temos nada. Não adianta muito ter um serviço de alarme em que eu chego lá e o dano já foi feito. A segurança de patrimônio neste período também está desassistida. As pessoas estão muito desesperadas. Acredito que estejam fazendo coisas mais malucas para conseguir viver, como invadir lugares fechados — avalia.
Conforme Fiapo, o estrago maior foi causado na entrada e saída dos invasores. Os danos causaram mais prejuízo do que o que foi roubado, como TV e computador.
— A única vez que surpreendemos a pessoa dentro do bar, ele tinha arrancado duas torneiras da parede, que seriam vendidas por, sei lá, R$ 10 cada uma no máximo. Torneiras caras,daquelas automáticas, mas para isso ele as arrancou da parede e foram quatro mil litros de água dentro do Ocidente. Tem que abrir parede para reconstruir cano. Então, pelo que foi quebrado de telhado para entrar naquela noite, gastei entre R$ 6 mil e R$ 8 mil reais para reconstruir a casa. Tudo pelos R$ 20 que ele ia ganhar. Se tivesse batido na minha porta, eu teria dado esses R$ 20 — reflete Fiapo.
Demissões e reabertura do restaurante
Fiapo estima ter entre 30 e 35 funcionários com CLT. Com a interrupção das atividades por causa da pandemia, uma parte deles teve o contrato de trabalho suspenso por dois meses. O empresário conta ter demitido meia dúzia de pessoas do quadro.
— Quando a noite voltar (a realização de eventos noturnos), não vou poder utilizá-los, vai ter gente demais para o turno. Então, preferi passá-los para o seguro-desemprego agora, com o qual eles vão ganhar mais neste momento do que os salários sem as horas extras e outros benefícios — explica.
Na próxima terça-feira, o Ocidente volta a funcionar como restaurante no horário de almoço, com entrega e retirada no local.
Cenário incerto
Com outras interdições ao longo da trajetória do bar, Fiapo destaca que tem uma condição especial diante de casos como esse. Já teve que fechar tantas vezes que não conseguiria viver tranquilamente se não tivesse uma “gordura”. No entanto, admite que não terá como segurar se a situação provocada pela pandemia se estender por seis meses.
— As outras maneiras em que fui fechado foram muito súbitas. Numa delas tive que demitir todos os funcionários, e eu não tinha (gordura), penei para conseguir fazer aquilo, e nunca mais quis me pôr nessa situação. Como tenho verba para demitir todos os funcionários, e demiti só meia dúzia, tenho como seguir mais uns quatro meses. Depois começa a ficar complicado — calcula.
Fiapo acha importante que o isolamento social seja mantido pelo tempo necessário. Ressalta que esse é um dos momentos mais difíceis da história da humanidade, que já envelheceu as pessoas de forma irrecuperável em poucos meses.
— Temos todos que estar em uma corrente por vacinas e testes, que é isso que estamos precisando — aponta. — Não sei do meu futuro. Se as pessoas me perguntam o que estou pensando, digo que se sobreviver este ano estarei no lucro. Não é questão de economia ou de hábito, mas sim de vida.
Festa virtual
Com a interrupção das atividades do Ocidente, os eventos que ocorriam no bar estão sendo realizados no ambiente virtual. Um deles é a festa Rockwork Orange. Segundo o produtor João Rosa, o evento deve se adequar às novas modalidades de entretenimento.
Ao longo de maio, a Rockwork focou suas redes sociais no apoio de quatro organizações de Porto Alegre: Casa de Referência da Mulher - Mulheres Mirabal (Campanha de Apoio a Diaristas), Cozinheiros do Bem - Food Fighters, Pequena Casa da Criança e Asilo Padre Cacique. Em junho, as festas devem voltar à pauta. Todavia, não será um evento físico, mas online, em um formato diferente das lives.
— Estamos estudando as plataformas para promover uma festa online. A ideia é fazer as pessoas estreitarem laços. Queremos fazer algo que o público possa participar e se olhar. Ampliar a forma do público se comunicar e nos reinventarmos nesse cenário atual — planeja João.
Com mais de 20 anos em atividade, o Sarau Elétrico agora está sendo realizado em versão online – com Luís Augusto Fischer, Diego Grando e Katia Suman em suas devidas casas. O evento segue em seu horário habitual, toda terça-feira, 21h, pelo YouTube e pela rádio Elétrica.
Segundo Katia, a média de visualizações tem sido de 700 pessoas, o que é 10 vezes superior à média de público que vai semanalmente ao Ocidente assistir ao Sarau.
— Temos tido uma boa audiência, que interage e nos estimula a continuar, mas óbvio que a gente sente falta do ambiente do Ocidente. Mas também é preciso reconhecer que o Sarau Elétrico se adaptou bem a esse novo meio — diz Katia, idealizadora do evento.
Katia está preparando um livro sobre o Ocidente, previsto para ser lançado no final deste ano, quando o bar completa 40 anos. Para ela, o Ocidente é, antes de tudo, um forte:
— Sobreviveu à ditadura militar, à repressão feroz da polícia, ao toque de recolher imposto ao Bom Fim no final dos 1980, ao conservadorismo da província e inclusive sobreviveu à burocracia municipal.