O mundo era bastante diferente no final dos anos 1990. Os early adopters da ainda engatinhante internet entusiasmavam-se com as possibilidades intangíveis de comunicação proporcionadas pela nova plataforma, debates culturais exigiam encontro físico e o tempo parecia passar mais devagar, tornando possíveis programas de rádio em que se batia papo por uma tarde inteira.
Ainda que tenha servido como propulsor, esse ambiente não parece imprescindível para o Sarau Elétrico, evento literário criado pela comunicadora Katia Suman em 1999 e que comemora 20 anos nesta terça-feira (09), em edição especial, no bar Ocidente. Tempo de existência que, em meio a crises na comunicação, na literatura e na cultura em geral, lhe confere o posto de evento literário regular mais longevo do Brasil, como atestam seus organizadores.
Em duas décadas, o Sarau Elétrico já rendeu bem mais do que encontros entre artistas de diversas áreas, disseminação de conhecimento literário e diversão para dezenas de pessoas que se propõem a sair de casa numa terça à noite para ouvir leituras de trechos de livros, crônicas, reportagens e o que mais surgir nas mãos dos apresentadores – atualmente, o time do Sarau Elétrico é formado pelos sócios-fundadores Katia Suman e Luís Augusto Fischer e pelo poeta e professor Diego Grando, que se somam no palco a um convidado e a um artista responsável pela canja musical ao final da conversa.
Em 2011, um livro sobre o evento foi lançado pelos criadores. No ano passado, Katia tornou-se doutora em Letras para aprimorar ainda mais sua participação. Nesta quarta-feira, a Assembleia Legislativa vai realizar uma edição comemorativa do Sarau Elétrico no Memorial do Legislativo do Estado (Rua Duque de Caxias, 1.029), em homenagem ao aniversário e como marco do lançamento da Frente Parlamentar de Incentivo ao Livro e à Leitura.
– O Sarau Elétrico é resultado de um conjunto de coisas que me aconteceram naquela época. Eu tinha um programa na Rádio Ipanema, em que eu lia algumas coisas entre as músicas. Aí teve um disco que eu ouvi, de uma mulher declamando escritos, meio geração beat, num bar de Nova York, que eu nunca mais consegui achar, mas me marcou muito. O Luciano Alabarse também promovia um evento em homenagem ao Caio Fernando Abreu, e uma vez eu fui convidada. E me impactou muito que várias pessoas foram convidadas a ler trechos do autor na Usina do Gasômetro, mas todos ficaram suspensos em alturas diferentes e aquilo criou um ambiente incrível. Isso fermentou na minha mente até eu ter o conceito claro: um evento de leitura em voz alta em um espaço que todo mundo pudesse frequentar – conta Katia.
– Ninguém usava a palavra sarau e era um termo que eu queria usar. Juntei sarau, que é algo antigo, com elétrico, que trazia alguma ideia de modernidade. Mas até isso já ficou datado – acrescenta.
Em 20 anos, a escalação do Sarau Elétrico sofreu substituições. Além de Katia e do professor e escritor Fischer, que criaram o evento, já participaram do time o professor Cláudio Moreno, o músico Frank Jorge e a escritora Claudia Tajes. O que nunca mudou foram o local e o dia: pensado desde o início para ser realizado às terças-feiras no Ocidente, o encontro transforma o bar acostumado a receber festas e shows.
– O Sarau Elétrico é uma ilha. Acho que não reflete o país. São pessoas com contato com a literatura, normalmente com uma educação formal maior. Tem um pequeno público que está sempre lá, mas se renova constantemente, semana a semana – analisa Fiapo Barth, sócio do Ocidente.
Se convidados populares como Humberto Gessinger, Luis Fernando Verissimo, Vitor Ramil e Olívio Dutra são garantia de público na base das centenas, não é só da popularidade alheia que sobrevive o Sarau Elétrico. Para Fischer, o evento passou a fazer parte tanto como espelho quanto como incentivador de um circuito cultural pulsante da cidade:
– Somos reflexo e motor. Apresentamos coisas, mas dinamizamos, criamos pontes e nos consolidamos uma das vozes em meio a este concerto que é a intensa produção cultural de Porto Alegre.
* Colaborou Karine Dalla Valle
SERVIÇO
Sarau Elétrico – 20 anos
- Terça-feira, às 21h.
- Ocidente (Av. Osvaldo Aranha, 960).
- Ingressos: R$ 20, à venda no local.
- O evento: tradicional encontro de leituras e apresentações musicais comemora 20 anos de existência com a participação de Katia Suman, Luís Augusto Fischer e Diego Grando, além da canja musical do duo O Bom e Velho, formado por Mário Manga e Ana Deriggi.