Quando Paul McCartney resolveu lançar o seu primeiro disco solo, com o seu sobrenome no título, ele preparou uma auto-entrevista para ser divulgada à imprensa. O que parecia uma propaganda despretensiosa encerrou um ciclo. Uma das perguntas era se Paul estava planejando um novo álbum ou singles com os Beatles. A resposta foi um sucinto “não”. Questionado se ele e Lennon voltariam compor juntos outra vez, respondeu com outro “não”. McCartney estava previsto para ser lançado no dia 17 de abril de 1970, mas essa "entrevista" foi publicada no dia 10, no jornal britânico Daily Mirror. Na manchete, em letras garrafais, o anúncio da hecatombe para os fãs : “PAUL ESTÁ SAINDO DOS BEATLES”.
Na verdade, a banda já vinha em processo de dissolução. Em setembro de 1969, John Lennon afirmou aos outros integrantes que estava fora. A saída dele só não foi divulgada para não atrapalhar as vendas do disco Abbey Road e outros projetos em andamento. No ano seguinte, a notícia ainda permanecia em sigilo, também por conta de Let it Be, álbum gravado antes de Abbey Road, engavetado e que finalmente estava para ser lançado. McCartney, que havia revelado a Lennon sua decisão de também desembarcar da banda, em março de 1970, se antecipou ao parceiro e acabou decretando o fim do quarteto de Liverpool.
Antes de Lennon romper ou do anúncio de McCartney, Ringo Starr e George Harrison saíram brevemente do grupo em episódios isolados. As relações entre eles passaram a se estremecer a partir da morte do empresário Brian Epstein, em 1967. Lennon se isolava com Yoko Ono e McCartney era extremamente controlador. A dupla de compositores principais discordava com os rumos criativos e financeiros dos Beatles– McCartney era contra a contração do empresário Allen Klein, sugerida por Lennon. Posando de homens de negócios na malfadada corporação multimídia Apple, os Beatles estavam à beira da falência.
Vivendo sob contantes desgastes, a banda não tinha mais o mesmo espaço de antes na vida e na música de seus integrantes. McCartney ainda tentava manter a união, remava em um barco furado. Sua saída definiu o fim da banda que havia conquistado o mundo e revolucionado a música e a cultura pop em menos de 10 anos de atividade.
Foi um final anticlimático para o tamanho dos Beatles, que culminou em batalhas judiciais dos outros integrantes contra McCartney. As tensões se arrastariam, mas tudo se ajeitaria com tempo. De qualquer maneira, o sonho não acabou, ao contrário do que Lennon cantou em God, que integra o disco John Lennon/Plastic Ono Band (1970).
O sonho continua
É como se os Beatles estivessem sempre por aí. As músicas do quarteto atravessaram anos e gerações, seja com sua discografia , nos relançamentos com materiais raros – o mais recente é a versão comemorativa dos 50 anos de Abbey Road, em 2019 – e nas bem-sucedidas carreiras solos de seus quatro integrantes.
O cinema é outro local que seguiu reverberando os Beatles. Além de filmes como Backbeat – Os Cinco Rapazes de Liverpool (1994) e O Garoto de Liverpool (2009), a banda inspirou a comédia Yesterday, lançada no ano passado. O diretor Peter Jackson prepara o documentário Get Back, que mostrará o processo de gravação do disco Let It Be e o lendário último show do quarteto no telhado da Apple Corps, em 1969. O filme está previsto para este ano.
Livros, videogames (vide The Beatles: Rock Band, de 2009), turismo em Liverpool, atrações de TV: é extensa a listas de exemplos sobre como os Beatles seguem presentes.
Para o cantor beatlemaníaco Beto Bruno, ex-integrante da Cachorro Grande, a presença dos Beatles nos dias de hoje se dá com a inovação e a qualidade das músicas que o grupo produziu.
– Nunca mais teve nada parecido na indústria musical. Os Beatles elevaram o rock and roll ao nível de arte. Eles são pioneiros em tudo o que envolve o circo da música pop. As músicas soam perfeitamente bem até hoje – atesta. – Se você for num show do Paul hoje, a resposta está lá: é avô, pai e filho. É um amor que passa de geração para geração.
Integrante da Graforreia Xilarmônica e coordenador do curso de produção fonográfica da Unisinos, o músico Frank Jorge destaca que o quarteto foi muito oportuno em gerar uma sonoridade nova, nos anos 1960, a partir da influência de vários gêneros de música popular, como country e soul. Ele destaca também que os quatro integrantes era ótimos instrumentistas e se completavam em termos de timbres vocais.
– Do ponto de vista temático, também foram oportunos ao se direcionaram a um público jovem. Não deixaram de olhar depois para a sociedade e os problemas sociopolíticos – explica Frank.
Morador de São Paulo (SP), Marco Antonio Mallagoli, 67 anos, é fundador do fã-clube Revolution, que opera desde 1979. Ele destaca o grupo “continua na ativa” devido à consistência de seu poder musical.
–As inovações tecnológicas que eles fizeram foram muito grandes. Tem bandas até hoje copiando eles, mas que não conseguem tirar o mesmo som – avalia o fã.
Também morador da capital paulista, Luiz Antônio da Silva é presidente do fã-clube Beatles Cavern Club, fundado em 1977. Aos 67 anos, se apresenta como beatleamaníaco em tempo integral e diz que seu celular é um “Disk Beatles”, pois está sempre disponível para falar sobre a banda. Para ele, o quarteto segue relevante até hoje pelo seu "carisma e magnetismo":
– São pessoas simples que alcançaram sucesso. As letras deles sempre foram bem trabalhadas. Isso sempre caiu no coração das pessoas que gostam de coisas boas. Se você ouvir um disco deles hoje, você vai perceber isso. É tudo bem feito, tudo legal – pontua Luiz.