"Quando o ergueram, ele parecia um pedaço horroroso de carne vermelha", é com essa franqueza típica de Liverpool que Jim McCartney reagiu ao ver seu filho Paul pela primeira vez, no dia 18 de junho de 1942. O pedaço de carne cresceu, se tornou músico incansável e voltará a Porto Alegre para show no Beira-Rio no próximo dia 13. Sua trajetória é passada a limpo no livro Paul McCartney – A Biografia, escrita pelos jornalista inglês Philip Norman e lançada em 2016, que chegou em junho ao Brasil pela Companhia das Letras.
Com uma narrativa bastante detalhista, a biografia retrata desde as origens de Paul, relatando brevemente o relacionamento entre seus pais Jim e Mary. A obra permeia sua infância, a perda da mãe, adolescência, seus relacionamentos – com destaque para o casamento frustrado com a modelo e ativista Heather Mills –, seu envolvimento com drogas, seu desenvolvimento como músico e, é claro, sua trajetória com os Beatles e carreira solo.
Além da música, a biografia explora bastante outras nuances do beatle, como seus múltiplos interesses intelectuais – artes visuais, poesia e música clássica –, até um lado mais "pedreiro" ou "faz-tudo", que abraçava com entusiasmo as reformas caseiras. Seu lado empresarial também é destacado. Mas também é possível observar as inseguranças e insatisfações do músico.
Ao longo das 856 páginas, Norman busca a verossimilidade das histórias de Paul. Apesar de ter escrito as biografias Shout! The Beatles in their Generation e John Lennon: A Vida, o jornalista não parecia ser um biógrafo obvio para explorar a vida do baixista do quarteto de Liverpool. Quando Shout! foi lançado, em 1981, tinha uma tendência de ser anti-Paul, retratando como um egomaníaco, e uma visão correspondentemente excessivamente generosa de Lennon, que, segundo Norman afirmou depois, representava "três quartos dos Beatles". Tudo isso causou irritação no músico, que odiou a obra e se referia a ela como "Shite" ("Merda"). Ao longo do tempo, o biógrafo assumiu mea culpa. "Para ser sincero, todos aqueles anos que passei querendo ser ele me deixaram, por algum motivo obscuro, com a impressão de que eu precisava me vingar", escreve Norman na introdução da biografia de Paul.
A reaproximação entre os dois ocorreu enquanto o jornalista escrevia o livro sobre Lennon, lançado em 2008. O beatle topou ser entrevistado para a biografia, por e-mail, com respostas que variavam de meia dúzia a duas centenas de palavras. Ao ser questionado por Norman se autorizaria o biógrafo a escrever sobre sua vida, ele tacitamente concordou. O músico não se envolveu no processo, mas não impediu Norman de entrevistar pessoas próximas e íntimas de seu círculo.
Em Paul McCartney – A Biografia, Norman produziu a biografia mais completa até então sobre o Beatle, resgatando episódios folclóricos, recontando-os com precisão, além de apresentar histórias inéditas – mas sempre buscando equilíbrio.
Por exemplo, uma das passagens curiosas da biografia data de 16 de janeiro de 1980, quando Paul foi preso ao chegar a Tóquio, pelo porte 218 gramas de maconha – o que era suficiente para ser acusado de tráfico. O músico ficava detido durante a investigação, mas passou a noite toda sentado no chão com as costas na parede. Ele estava com medo de ser estuprado.
Outra passagem exemplifica a relação de simplicidade que mantinha com seu pai. Quando os Beatles se apresentavam no Cavern, no começo dos anos 1960, em Liverpool, Jim trabalhava a uns poucos minutos do clube, na Casa de Comércio de Algodão. Frequentemente ele dava um pulo até lá para conferir seu filho tocar. Se Jim fosse fazer o jantar naquele dia, deixava umas costeletas ou meio quilo de linguiça para que Paul levasse para casa depois do show e colocasse na geladeira.
Paul McCartney – A Biografia
De Philip Norman. Tradução: Claudio Carina e Rogério W. Galindo. Companhia das Letras, 856 págs., R$ 89,90.