Diferentemente do Brasil, meu momento econômico em 2010 era bem pior do que em 2017. Por isso, o ingresso para o show do Paul McCartney, naquele ano, era um dilema. Tinha o receio de gastar R$ 220 para o acesso à pista, mas correr o risco de não enxergar nada do alto dos meus nem 1m70cm. A única alternativa me parecia uma exorbitância: desembolsar R$ 520 e assegurar a melhor experiência que o dinheiro poderia comprar.
Quem ajudou a resolver a parada foi uma amiga, a Priscila Montandon, com quem eu dividia a insegurança na Redação de Zero Hora. À época uma repórter iniciante tão pelada quanto eu, ela desdenhou da minha dúvida.
– Cara, é um beatle. Quando tu vai assistir a um beatle de novo na vida? O que são R$ 500? Um celular? F*-se um celular. É um beatle, cara! – repetia a Pri, jogando o motorola para cima, ainda no tempo em que R$ 500 compravam um bom celular.
"Quando tu vai ver um beatle de novo?" Pois então: sexta-feira.
Vou agradecer à Priscila pelo resto da vida por aquele chacoalhar de ombros. Daquela noite, guardo a pior e a melhor foto da minha vida na mesma imagem. Meio gorducho, estou com o braço direito para cima, aos prantos em meio aos "na na nas" de Hey Jude. Ao meu redor, quatro amigos queridos, igualmente desfigurados pelo choro.
Convidado a escrever um texto sobre as expectativas para o show desta sexta-feira, aquela imagem me veio à mente. Infelizmente não tenho como repeti-la, porque as pessoas e a Porto Alegre em torno de mim mudaram.
Dos quatro amigos da foto, três não estarão no Beira-Rio na sexta. A Priscila mora hoje no Rio. Quando recebo alguns seguidores desconhecidos no Instagram, deduzo ser algum fã da sua namorada famosa tentando furungar na vida dela por meio dos velhos amigos. A Marcela Donini virou professora de Jornalismo, mãe e passa uma temporada na Holanda. A Lisiane Pratti vive em São Paulo e também é mãe, mas de dois simpáticos chihuahuas. Em 2017, elas me parecem melhor onde estão do que estariam aqui.
Restamos na terrinha eu e o Paulo Germano, e tentamos – ele profissionalmente, em sua coluna de Zero Hora – decifrar os porquês de Porto Alegre estar sendo abandonada por tanta gente bacana.
Certamente o problema não está nos palcos. O Beira-Rio se tornou uma arena muito melhor do que era naquele ano, e a cidade acostumou-se a receber monstros como Rolling Stones, The Who e Aerosmith. Mas algo que víamos nos semblantes daquele pessoal que passou meses em polvorosa com o visitante ilustre parece ter se perdido. Atucanados pelos índices de segurança, pela buraqueira das ruas, pelo(s) mau(s) governo(s), pelo Inter na Série B... Vai saber. Fato é que, em sete anos, a cidade perdeu muito da sua leveza.
Porém, a principal diferença deste Caue em sete anos é que o de hoje não hesitou nem por um segundo em comprar ingresso. Pois aprendi que algo de mágico sempre pode acontecer em um show do Paul McCartney. Você deve ir ao máximo deles que conseguir.
Em 2013, quando morei em Brasília, deixei de ir ao show em Goiânia e perdi uma cena lindíssima: quando o palco foi tomado por uma nuvem de grilos. Os verdinhos acompanharam The Long and Winding Road nos ombros do músico ao piano. Trocando uma ideia com um dos visitantes alados na palma da mão, o próprio Paul se emocionou:
–Well, that’s a first! ("Bem, eis uma primeira vez").
Se eu não tivesse desistido de vê-lo em Montevidéu, em 2014, talvez tivesse a oportunidade de abordar a Rafa antes. Foi esse o papo que puxei com minha namorada na primeira festa em que ficamos, e é com ela que assistirei ao show desta sexta.
Portanto, uma visita do Paul é sempre a oportunidade de algo belo e maior. Quem sabe, quando ele voltar a puxar o "ah, eu sou gaúcho", lembremos do quanto isso é meio bobo, mas um motivo legítimo para sorrir. Uma chance não de repetir, mas de resgatar a paz de espírito de 2010.
OS SET LISTS
Em 2010:
Venus and Mars/Rock Show
Jet
All My Loving
Letting Go
Drive My Car
Highway
Let me Roll It
Long and Winding Road
Nineteen Hundred and Eighty-Five
Let me In
My Love
I’Ve Just Seen a Face
And I Love Her
Blackbird
Here Today
Dance Tonight
Mrs. Vanderbilt
Eleanor Rigby
Something
Sing the Changes
Band on the Run
Ob-la Di Ob-la Da
Back in the Ussr
I’ve Got a Feeling
Paperback Writter
A Day in the Life
Let It Be
Live and Let Die
Hey Jude
Day Tripper
Lady Madonna
Get Back
Yesterday
Helter Skelter
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band/The End
Em 2017:
(Possível set list, com base no repertório do espetáculo da última segunda-feira em Detroit)
A Hard Day’s Night
Save Us
Can’t Buy me Love
Letting Go
Drive My Car
Let me Roll It
I’ve Got a Feeling
My Valentine
Nineteen Hundred and Eighty-Five
Maybe I’m Amazed
I’ve Just Seen a Face
In Spite of All the Danger
You Won’t See Me
Love me Do
And I Love Her
Blackbird
Here Today
Queenie Eye
New
Lady Madonna
FourFiveSeconds
Eleanor Rigby
I Wanna Be Your Man
Being for the Benefit of Mr. Kite!
Something
A Day in the Life
Ob-la-Di, Ob-la-Da
Band on the Run
Back in the U.S.S.R.
Let It Be
Live and Let Die
Hey Jude
Yesterday
Day Tripper
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
Helter Skelter
Golden Slumbers
Carry that Weight
The End