De todas as histórias dos Beatles conhecidas e retransmitidas por todo o mundo desde 6 de julho de 1957, quando John Lennon e Paul McCartney se conheceram numa festa em uma tarde de sábado em que o Quarrymen, grupo de skiffle de John Lennon, apresentava-se num palco improvisado em cima de um caminhão na igreja de St. Peter, no subúrbio de Woolton, em Liverpool, provavelmente a que mais me impressiona até hoje é aquela em que esses dois jovens, então, já amigos e tocando juntos, atravessaram a cidade em busca de um outro garoto que sabia como era, ou como se construía ao violão, o acorde B7, Si com a sétima, e, assim, poderia ensiná-los.
Essa história é contada por Paul no documentário Anthology, gravado para a TV, exibido em 1995, lançado em VHS em 1996 e em DVD em 2001, e fundamentalmente mostra essa curiosidade permanente dos jovens pelo desconhecido, ou ainda, e melhor, como se buscava conhecimento no final dos anos 1950: pelas próprias pernas; indo e vindo.
Com esse acorde, eles tanto poderiam tocar uma música completa ao estilo blues, country, skiffle ou, principalmente, aquela novidade que vinha da América: o rock’n’roll. Boa parte das canções nesses estilos se constituía de três acordes, a saber, na cifra/teoria/funções harmônicas: E (Mi), a função tônica; A (Lá), função subdominante e o elo perdido então encontrado; B7 (Si com a sétima), a função dominante.
Vale aqui uma analogia com uma história do amigo e produtor musical Carlos Eduardo Garcia Miranda, conhecido como Gordo Miranda, que também gosta de contar semelhante episódio, quando atravessava a cidade de Porto Alegre em busca de um disco do Humble Pie, ou outra banda setentista, que supostamente o "Nelsinho" ou outro garoto desse bairro distante, possuiria e poderia emprestar ou vender numa barganha por alguns trocados. Uma lição que fica dessas duas narrativas, para mim, é que fazer arte é procurar, buscar, mexer, modificar, sem saber muito bem aonde vamos chegar.
O que importa aqui não é apenas o que os Beatles e os quatro integrantes posteriormente em suas carreiras solo vieram a construir com três acordes, um acorde, ou, principalmente, com poucos e bem escolhidos acordes, mas sim o quanto eles elevaram a música popular ao estado de arte, mostrando que o ímpeto criador que um jovem de qualquer lugar do mundo normalmente tem pode redefinir paradigmas culturais e estéticos. Sim! E isso vale até hoje e valerá sempre, mesmo nestes tempos de superpovoamento de conteúdos disponíveis.
Decididamente, o que eles fizeram, e em alguma medida, Paul, Ringo, Bob Dylan, Neil Young, David Crosby, Van Morrison, The Who, Roger Watters, David Gilmour e, no Brasil, Roberto Carlos e Erasmo Carlos (ficando na seara dos agentes culturais sixties ainda em ação), seguem fazendo, mudou o mundo, forjou personalidades, gostos, influenciou e influencia pessoas, através do impacto dessa arte. Fica a dica desde já: não subestime esses míseros três acordes.
Ter a possibilidade de tocar no mesmo palco, junto com o amigo Luciano Albo, e antes do show de Paul McCartney, é uma espécie de concretização do sonho que nunca me atrevi a ter. Tive muita sorte de poder ser músico incentivado e inspirado pela minha família e tocar com artistas geniais nestes 30 e poucos anos de trajetória musical, hello Alexandre Birck, Carlo Pianta, Marcelo Birck, Régis Sam, Julio Reny, Tchê Gomes, Márcio Petracco, Alexandre Barea, Paulo Arcari, Plato Dvorak, Felipe Rotta, Maurício Chaise, em memória, o man, Flávio Basso.
Sobrevivemos a um mundo sem Roy Orbison, David Bowie, Lou Reed, Prince, Joey Ramone e tantos outros, porque a obra fica, persiste. Para a nossa sorte, temos Paul McCartney com saúde e disposição para nos mostrar ao vivo sua arte e captarmos um pouco de todos os caminhos que percorreu. E, pelo visto, encontrou muitas, mas muitas coisas mesmo, além do B7. Obrigado pela oportunidade.