Por Josely Teixeira Carlos
Pesquisadora da USP, pós-Doutora em Análise do Discurso e Música pela universidade Paris X
Para 2020, já foi anunciado um novo show, em Porto Alegre, do argentino Fito Paéz, um dos mais reconhecidos artistas latino-americanos da canção. Andrés Calamaro, ícone do rock argentino, apresentou-se na capital gaúcha em outubro de 2019. Os irmãos uruguaios Daniel e Jorge Drexler igualmente realizam com frequência espetáculos pelo Brasil. Todos eles têm em comum a língua castelhana como instrumento de sua canção.
A presença desses artistas por aqui, especialmente em cidades do Sul e do eixo Rio-São Paulo, revela, particularmente, um diálogo existente entre o Brasil e músicos de fala e canto em espanhol, fenômeno que se evidenciou, na década de 1970, a partir de encontros emblemáticos entre a argentina Mercedes Sosa com Caetano Veloso, Chico Buarque, Fagner, Milton Nascimento e Raul Elwanger. Daquela época, é bem provável que o grande público conheça as parcerias entre Chico Buarque e os cubanos Silvio Rodriguez, Pablo Milanés e Nicolás Guillén, e lembro também o trabalho de Belchior com os uruguaios Larbanois, Carrero e Laura Canoura na década de 1990.
Ampliando esse rol para os artistas que cantam o espanhol europeu, o catalão Joan Manuel Serrat (o maior ídolo da canção na Espanha) registrou com Fagner uma canção, no disco do cearense Traduzir-se (1981). Em 1986, foi a vez de Fagner participar do disco Sinceramente Teu, de Serrat, gravado no Brasil com as presenças de Caetano, Gal, Bethânia e Toquinho.
Nesse cenário de vinda de músicos hispano-hablantes ao Brasil, bem como de encontros entre eles e os artistas nacionais, chama atenção o fato de o maior poeta da canção em espanhol nunca ter vindo ao país.
Estou falando de Joaquín Sabina, cantautor, escritor e artista plástico que, em quase 40 anos de carreira, lançou mais de 20 discos, ultrapassando 20 milhões de cópias vendidas. Por que o artista, que tem 70 anos de idade e segue em plena atividade, nunca tocou no Brasil?
Sendo o único país a falar português na América Latina, essa peculiaridade talvez explique o fato de ele jamais ter investido em sua carreira em terras nacionais. Diferentemente de todos os países hermanos, onde Sabina atrai multidões, no Brasil o cancionista é um ilustre desconhecido.
Mas, se Sabina, ao cruzar o Atlântico, da Europa para a América de língua espanhola, não ousou aportar em nossa monumental ilha de língua portuguesa, podemos encontrar na sua música menções, embora discretas, ao Brasil, como a que ele fez em Con un Par, do disco Mentiras Piadosas (1990), cuja letra se refere às praias de Copacabana e Ipanema. Além disso, o espanhol mostrou, em algumas ocasiões, que conhece a produção musical brasileira, ao citar, por exemplo, Chico Buarque como um dos maiores artistas vivos da canção de autor na América Latina, como fez na entrevista ao escritor Javier Menendéz Flores, publicada no livro Sabina en Carne Viva (2006).
Recentemente, em turnê realizada na Argentina e no Uruguai junto a Serrat, Sabina demonstrou que está atento ao Brasil, ao comentar à imprensa, em mais de uma oportunidade, a conjuntura política do nosso país.
Por que Sabina deveria vir ao Brasil?
O conjunto de personagens, espaços e cenas espalhados em suas músicas é de tal maneira amplo que torna sua obra tão universal como as dos melhores literatos, configurando sua produção quase que em um 'Dom Quixote da canção'.
Apesar de o português e o espanhol serem muito próximos, pois derivados do latim, o castelhano não é usado com fluência no Brasil. No entanto, as características da obra de Sabina suplantam, onde quer que toque, qualquer restrição aparente à língua estrangeira e o transformam no mais cosmopolita músico da língua espanhola.
O conjunto de personagens, espaços e cenas espalhados em suas músicas é de tal maneira amplo que torna sua obra tão universal como as dos melhores literatos, configurando sua produção quase que em um “Dom Quixote da canção”.
A voz singular, a crônica social, a ironia fina, o diálogo com a literatura, a grande extensão, as temáticas e a complexidade de suas letras, o fizeram, por exemplo, ser comparado ao Prêmio Nobel de Literatura: Sabina é nominado “o Bob Dylan castelhano”. Em nossas fronteiras, Sabina seria uma espécie de “Belchior espanhol”, pois um e outro compartilham em seus cancioneiros um conjunto de características similares.
Partindo do universal para o regional, a obra lapidar de Sabina, vinda ao Brasil, mesmo que corresse o risco de ecoar na modalidade “portunhol”, combinaria perfeitamente com o frescor, a extroversão, a alegria e a tropicalidade que nos definem.
Se ele fará um dia espetáculos por aqui, não se sabe. Para minha surpresa, no último dia 20 de novembro, em concerto realizado na casa de espetáculos Antel Arena, em Montevidéu, pude testemunhar, diante de um público de milhares de pessoas, a declaração do cantor de que está com vontade de vir ao Brasil.
Que venga, Joaquín! Porque, no Brasil, “terra de samba e pandeiro”, também tenemos ganas de Sabina!