No último sábado (4), o rapper Childish Gambino lançou uma música, junto do clipe, que pegou os fãs de surpresa. O single, chamado This Is America, denuncia a falta de controle das armas de fogos nos EUA, a alienação midiática da juventude pela cultura pop e o racismo. O vídeo já é um sucesso, somando mais de 32 milhões de visualizações no Youtube até a manhã desta terça-feira (8).
Por trás de Childish Gambino, está Donald Glover, que nas horas vagas também é diretor da aclamada série de TV Atlanta, lançada ano passado e já vencedora de dois Globos de Ouro e dois Emmys. Donald também estrelará Solo, o próximo spin-off da saga Star Wars, no papel de Lando Calrissian, e ainda interpretará Simba, no live-action do Rei Leão, que está previsto para ser lançado em julho de 2019.
Polivalente e precoce, Donald Glover é daquelas personalidades que consegue atravessar diversos formatos, sem perder a originalidade. O artista começou no showbiz como comediante de stand-up e logo foi cooptado por Tina Fey para ajudar no time de roteirista da série de comédia 30 Rock, na qual ficou por três anos. Seis dias após sair desta função, veio Troy, da sitcom Community, papel que colocaria Glover na frente das câmeras e no radar da indústria do entretenimento norte-americano. A série conta a história de desajustados que estudam juntos na Universidade Comunitária de Greendale e ficou no ar até 2015, quando foi lançada sua sexta e última temporada.
Enquanto Childish Gambino lançava no Youtube seu novo single, Donald Glover apresentava o programa de comédia Saturnay Night Live. No tradicional monólogo de abertura da atração, o artista se apresentou com certo sarcasmo:
— Tudo meio que deu certo para mim, eu estava em uma série chamada Community, interpreto Lando no novo filme de Star Wars e, se você é negro, eu fiz Atlanta e Redbone.
Atlanta foi o primeiro projeto para a televisão inteiramente idealizado por Glover. Concebida em 2013, a série acompanha a trajetória do rapper Alfred (Brian Tyree Henry), seu primo e agente Earn (Donald Glover) e Darius (Lakeith Stanfield), amigo de Alfred e personagem responsável pelo alívio cômico. O que se vendeu como uma tradicional trupe de amigos enfrentando várias aventuras para conseguir alcançar o sucesso, revelou-se uma comédia dramática quase surrealista sobre racismo, cultura afro-americana e, obviamente, hip hop.
Em especial, Atlanta trata de uma vertente do gênero, chamada trap, que insere elementos eletrônicos no rap, com conteúdo lírico agressivo. A série, produzida e exibida pela FX, traz episódios de 30 minutos e já garantiu a Glover o Globo de Ouro de Melhor Ator e de Melhor série televisiva de comédia ou musical, além dos Emmys de Melhor ator e Melhor série de comédia. Atlanta está na segunda temporada, sendo que a primeira já está disponível na Netflix.
Childish Gambino
Embora Donald seja prolífico, ele não se perde na multidão de projetos férteis que tem. Em paralelo a série Community, Glover se lançou como rapper, com o nome de Childish Gambino. Todos esperavam uma paródia, tanto pelo histórico humorístico de Glover, quanto pelo modo como o nome do projeto surgiu - o músico escolheu a partir de um programa de geração aleatória de nomes, inspirados nos membros do grupo de hip hop Wu-Tang Clan. Mas o que Childish Gambino entregou foi um álbum sério, Camp, em 2011. Embora tenha sido bem recebido pelo público, o álbum de estreia ainda não mostrava o experimentalismo de seu sucessor, Because The Internet, lançado em 2013, que garantiria a Childish o título de promessa no hip hop.
O que era só especulação foi confirmado em dezembro de 2016, quando Childish Gambino se firmou na música pop mundial ao lançar Awaken, My Love!. O álbum - sem rap - foi sucesso de crítica e público, lançando hits como Redbone - que está na trilha-sonora do filme de terror Corra! -, Me and Your Mama e Terrified. Awake, My Love! também foi indicado a diversas categorias do Grammy 2018, como Álbum do ano, Gravação do ano, Melhor álbum urban contemporâneo e Melhor música R&B, além de levar para casa o prêmio de Melhor performance tradicional de R&B, por Redbone.
Na noite de sábado (5), Childish Gambino lançou This is America. No clipe, uma série quase infindável de referências empolgou a internet, que ainda está tentando desvendar toda sua mensagem. O vídeo foi dirigido por Hiro Murai, parceria que Donald já havia feito em Atlanta, e ataca de diversas formas a falta de controle do porte de armas nos EUA, a utilização da cultura negra para alienação da juventude na indústria do entretenimento e o racismo. Childish se voltou para o trap nessa canção, inclusive convidando outros rappers, como 21 Savage, Young Thug, Quavo, Slim Jxmmi e Blocboy JB para participar de alguns versos. Abaixo, GaúchaZH listou 4 detalhes do clipe de This Is America que deixou as redes em polvorosa:
1. Armas
A referência mais óbvia. Durante todo o vídeo, Childish tem acesso irrestrito a armas de fogo e inclusive mata algumas pessoas. Recentemente, estudantes americanos saíram à rua em uma grande manifestação para pedir o endurecimento do controle de armas nos EUA. O protesto foi catalisado pela série de massacres que aconteceu na história recente do país norte-americano. Apenas em 2018, foram contabilizados 17 ataques.
2. O massacre de Charleston
Na metade da música, o protagonista utiliza uma metralhadora para matar 10 pessoas, que formavam um coro gospel. O fato lembra o episódio que aconteceu em Charleston, Carolina do Sul, onde um supremacista branco, Dylann Roof, matou nove fiéis da Emanuel African Methodist Episcopal Church.
3. Cavalo branco
Em um momento do vídeo, é possível ver um cavalo branco passando no fundo, enquanto Donald dança com seu grupo em primeiro plano. Alguns internautas especulam que o cavalo branco faz referência ao primeiro cavaleiro do apocalipse, descrito na Bíblia. Em cima dele, monta um sujeito com capuz preto, enquanto policiais o seguem.
4. Dança
A coreografia de Sherrie Silver mistura danças tradicionais e novas, passos de Gwara Gwara, da África do Sul, e das danças de rua presentes em vídeos virais. O fato da performance ignorar deliberadamente a violência ao seu redor, ao mesmo tempo em que é sutilmente afetada por ela, mostra o paradoxo que o hip hop enfrenta nos EUA atualmente. Se, por um lado, o gênero é um modo da população negra enfrentar as adversidades provocadas por uma sociedade historicamente racista, por outro, serve para entreter, alienar e anestesiar os efeitos dessa mesma sociedade.
Abaixo, assista ao clipe de This is America: