"Tem livro do Jeferson Tenório, da Bell Hooks ou da Djamila Ribeiro?" Foi um dos questionamentos mais frequentes na banca da Traça durante os 20 dias da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, que se encerra nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra. Funcionário do sebo, Jairo Drews percebeu um interesse latente do público por escritores negros.
— O pessoal chega aqui e pergunta: "Tem autores negros?" Isso é claro e perceptível — disse ele, que trabalhou no evento pelo segundo ano consecutivo.
Pela primeira vez em 70 edições, a feira contou com uma curadoria para literatura negra, posto assumido pela musicista e escritora Lilian Rocha. Além da programação especial com artistas e pensadores debatendo questões raciais, o objetivo era incentivar que os livreiros presentes na Praça da Alfândega ofertassem mais livros de autores negros.
Segundo Lilian, muitos livreiros responderam à provocação e incluíram em suas prateleiras títulos importantes, embora não em número massivo. Outros, nem tanto.
— Percebemos uma maior quantidade de livros de autores negros nesta edição da Feira, tanto na área infantil e juvenil quanto na geral. Muitas bancas contemplaram esses livros, não em grande quantidade, mas tinham os mais importantes. Outras bancas, nem tanto. Mas foi o primeiro ano desse posto para a curadoria negra. Ainda é necessário ter mais incentivo em relação a esse tema.
Na banca da Mania de Ler, exemplares de De Onde Eles Vêm (2024) e Estela Sem Deus (2018), ambos de Tenório, estavam em destaque ao lado de outros títulos de escritores negros, como Pequeno Manual Antirracista (2019), de Djamila Ribeiro, Torto Arado (2019), de Itamar Vieira Junior, e O Pacto da Branquitude (2022), de Cida Bento. Proprietária das duas bancas presentes na Praça e das livrarias de mesmo nome, Cláudia da Rosa diz que a procura por escritores negros aumentou conforme se intensificou na sociedade o debate racial e a consciência sobre apreciar livros de autores negros.
— Já faz uns dois anos que há bastante procura, e o povo começou a pedir cada vez mais, também por causa dos prêmios literários que contemplaram esses escritores, como o Jabuti (vencido pelo Itamar e pelo Tenório, em 2020 e 2021, respectivamente) — diz.
O mais recente de Tenório, De Onde Eles Vêm, foi o mais vendido nas duas bancas da Mania de Ler, com cem exemplares comercializados, diz Cláudia. A obra tem como pano fundo o ingresso de jovens pretos nas universidades através das cotas. Outro título de autoria negra com procura significativa foi Vera (2024), de José Falero. Ambos tiveram lançamentos próximos ao período da Feira do Livro, e os dois escritores marcaram presença participando de debate e sessões de autógrafos.
Estreante na Praça da Alfândega, a banca da Coragem também ofereceu seus livros de autoria negra, todos lançados pelo selo da editora, fundada há quatro anos por Thomás Daniel Vieira. Destacam-se O Espetáculo do Circo dos Horrores no Brasil — Uma teoria da história e do Rap (2022), de Marcelo Cortes, e Do Morro à África — O que nossos avós não puderam nos ensinar (2023), do mesmo Marcelo Cortes em parceria com Rodrigo Aguiar e Letiere Rodrigues, sendo este último o mais vendido pela editora ao longo da feira.
— O primeiro autor negro que a Coragem publicou foi o Marcelo Cortes porque ele sempre foi próximo da editora. É importante que uma editora independente, cujo papel é representar ideias distintas das hegemônicas, ofereça livros de autores negros. O foco da Coragem é justamente pautar questões da América Latina, e a questão racial é um desses problemas — diz Vieira.