Quando Jeferson Tenório começou a ler literatura, aos 24 anos, a negritude de Machado de Assis (1839-1908) ainda não tinha sido amplamente descoberta pelo Brasil, algo que só foi acontecer nos últimos anos. Estudante de Letras em Porto Alegre na primeira década dos anos 2000, ele foi buscar em autores estrangeiros, como os estadunidenses James Baldwin (1924-1987) e Toni Morrison (1931-2019), a representação literária que pudesse mostrar o que é ser um negro em uma sociedade construída para brancos.
Aos 47 anos, com três romances publicados, todos eles com protagonistas negros tateando um mundo da branquitude e tentando encontrar seu espaço, Tenório não tem qualquer intenção de deixar de lado o fato de que a cor de sua pele não determinou sua trajetória. Seu quarto livro, De Onde Eles Vêm (Companhia das Letras, 208 páginas), com lançamento previsto para 25 de outubro, segue na temática racial; dessa vez, resgatando um tema que já teve seu auge de discussão no país e fez parte da formação do autor.
Um dos primeiros cotistas negros a se formar na UFRGS, em 2010, Tenório mostra o personagem Joaquim, um jovem negro aprovado pelo sistema de cotas, ingressando em uma universidade pública dominada por uma classe média branca:
— Construí um personagem que gostaria de ter sido e nunca fui. O Joaquim entra na universidade já sendo um grande leitor. Por outro lado, ele não passou pelas violências que eu passei. Quando entrei na universidade, na iminência da implantação das cotas, ouvi uma série de discursos terríveis para tentar invalidar as cotas. Evitei reproduzir porque queria que o leitor fosse tomando consciência do que está acontecendo na história.
Diferentemente de O Avesso da Pele (2020), romance que traz episódio de violência policial contra negros, De Onde Eles Vêm traz a agressão sutil, mascarada em gestos e palavras não ditas, de quem acredita que o ensino superior não deveria ser um lugar para todos.
De Alvorada, vivendo com a avó debilitada e descobrindo a sexualidade com a namorada mais velha que é mãe solteira, começando a frequentar festas de jovens universitários brancos, Joaquim transita entre dois mundos. Em um, as pessoas enfrentam batalhas para se manterem vivas. No outro, há conforto e espaço de sobra para a criação e a elaboração do mundo.
Ao ingressar no novo ambiente, Joaquim não surge pela porta dos fundos: assume para toda a sala de aula que deseja ser poeta e debate James Joyce (1882-1941) com os professores, inclusive causando desconforto em um docente.
Ao mesmo tempo em que não sente qualquer obrigação de seguir escrevendo sobre racismo, Tenório não pretende mudar de assunto. Nem se curva a quem possa achar que deveria enveredar por outros temas para provar sua versatilidade como escritor.
— É um discurso que é fruto de um ressentimento branco que por séculos teve suas histórias contadas. O que estamos mostrando são outros pontos de vista que recontam a história do Brasil. Só depois dos meus 30 anos que entendi que minhas experiências poderiam ser literatura. Hoje, olhando para trás e vendo tudo o que produzi, penso que escrevo para a comunidade negra e para a sociedade de modo geral.