Por Lucio Carvalho
Autor de “La Minuana” (Tan, 2023), editor da revista Sepé
No finalzinho de novembro, esteve em Porto Alegre o poeta Marco de Menezes para lançar o seu sétimo livro de poesia, Os Ternos de Charlie Parker e Outros Poemas. O livro saiu pela 7Letras, do Rio de Janeiro, e contou com o apoio cultural da Fundação Marcopolo, de Caxias do Sul. De acordo com ele, na conversa que ocorreu antes da sessão de autógrafos, trata-se de um livro que se antecipou a um anterior, inédito, e ganhou vida após um trabalho de releitura e edição que ele confessou fazer contando com a leitura e opinião de amigos.
Vivendo em Caxias do Sul desde a década de 1980, onde trabalha como médico, Marco teve seu primeiro livro de poemas, As Horas Dragas, publicado em 1999. Dez anos mais tarde, com Fim das Coisas Velhas, o primeiro dos livros editados pela lendária Modelo de Nuvem, venceu o Açorianos de poesia. O livro também foi o eleito o o “livro do ano” naquela edição do prêmio. Foi a primeira vez que um livro de poesia levou a dupla distinção.
Para aqueles que ainda não leram sua poesia, é prudente considerar que seus antecedentes vão mais para trás de seus livros iniciais. Começam ainda em Uruguaiana, sua cidade natal, e a influência subliminar de sua paisagem, a um tempo só impoluta e irrecuperável, costuma aparecer bastante em sua poesia, quase sempre em contraste a Caxias do Sul e sua inclinação industrial e capitalista. Também que os poemas longos, digressivos, muitas vezes se parecem a contos que se concluem no inesperado, em momentos líricos e abstratos, contrastando os desfechos narrativos mais definitivos. Pelo contrário, a sua poesia serve-se de planos abertos, prolongando-se para além do poema e que continuam a falar após a leitura. É mais comunicativa do que enunciativa e, por isso, muito envolvente.
Mas há também nesses antecedentes, não menos importante, uma nítida influência da literatura beat e do jazz, tantas são as vezes em que Marco se refere ao estilo musical e seus compositores, especialmente o saxofonista Charlie Parker, cuja ascese musical e espiritual rende ao livro seu ponto alto e também seu título. O mais cosmopolita e livre dos estilos musicais ouve-se muito nos poemas de Marco. Está presente nos ritmos assimétricos, no verso livre desamarrado (mas não frouxo) e ainda mais na liberdade de forma que nunca antecipa nada de sua dicção poética, garantindo a guinada, a surpresa e, às vezes, uma inesperada e familiar volta ao tema.
Se comparada à produção poética mais contemporânea, muito atenta aos efeitos e insights rápidos, no livro de Marco há como um reencontro com uma poesia menos impressionante e mais impressiva. À leitura, se quer entender o que diz e o que ela nos importa. Isso sempre com uma simplicidade de forma que desarma os leitores, sem dúvida terna, revelando aí uma das polissemias do título do livro e que, como numa prosa com pausas, vai lançando luzes sobre a memória, as pessoas e seus afetos, a paisagem e suas dubiedades externas e internas. É um livro que dificilmente um leitor atento se recusa a participar, porque imbuído da serenidade de quem não precisa provar coisa alguma com sua poesia.
A verdade é que não há muita distância entre a linguagem natural da pessoa e a poética do artista, e isso lhe confere, nos dois campos, uma aura de familiaridade impressionante, eliminando um tanto a distância entre persona e pessoa, ou suprimindo-a.
Como nas longas digressões sonoras de Charlie Parker, o instrumentista que extrapolou as sonoridades de sua época com inovações estilísticas que revolucionaram a música do século 20, a poesia do novo livro de Marco de Menezes transgride o minimalismo vigente e busca vestir “os ternos” de Charlie Parker para se apresentar novamente na poesia publicada por estes dias. A diferença será notada sobretudo por quem se encontra aberto à liberdade e a certo acento melancólico de uma poesia que pensa a vida com uma espécie de blue note. Tocante porque se percebe o quanto pouco arquitetada ela é, e imbuída de vida verdadeira. Quando se reencontra com a poesia de Marco de Menezes é difícil pensar em como conseguimos passar por esses anos de tumulto, pandêmicos, e não ter mais disso. Sorte dos leitores de poesia que o próximo, ainda que anterior a este, já está pronto também e não deve demorar a dar as caras por aí, trazendo de volta aos leitores a temática intimista e seu tom coloquial inconfundível.