Horror, fantasia, ficção científica e, é claro, o fantástico. Desses gêneros literários surge o grande campo da literatura fantástica, que tem ganhado força no mercado nacional — com destaque para Porto Alegre, que, até 15 de novembro, recebe a Feira do Livro, com parte da programação voltada a esses gêneros.
Na Capital, a recepção dessas obras é ótima, garante o escritor, editor e professor Duda Falcão, 48 anos. Ele participará de uma série de eventos com essa temática. Neste sábado (4), às 15h30min, estará no Sarau Itinerante de Literatura de Horror, na Biblioteca Erico Verissimo da Casa de Cultura Mario Quintana. No dia 14 de novembro, às 14h, no Auditório do Memorial do RS, promoverá uma oficina intitulada Escrevendo Literatura Fantástica: Uma Jornada pela Escrita de Horror, Fantasia e Ficção Científica, na qual falará sobre seu livro Guia de Literatura Fantástica – que autografará na sequência, às 16h, na Praça de Autógrafos Gerdau.
Falcão organiza o congresso literário Odisseia de Literatura Fantástica, que, em sua nona edição, realizada no início de outubro, reuniu em torno de 200 pessoas, incluindo visitantes de outros Estados, para bate-papos e uma feira de livros.
— Porto Alegre é uma das cidades que mais consomem o fantástico. A gente tem apreço por isso — afirma, citando a Semana do Horror, na Casa de Cultura Mario Quintana, como um indicativo.
Escritora e designer de narrativas para jogos digitais, Kali de los Santos, 32 anos, também percebe um grande consumo desses produtos. A autora considera Tormenta — universo de fantasia para o qual escreve — uma parte forte disso, constituindo um cenário nacional bacana e "muito próximo", pelo fato de a editora Jambô ser local. Kali acaba de escrever um romance infantojuvenil para Tormenta que será lançado no próximo ano, ampliando o público-alvo para além dos adultos.
— Acho que a gente tem uma cena bem interessante de autores gaúchos de fantasia, de ficção científica e de horror — pontua.
A escritora se diz honrada em poder participar, ao lado de outros autores, de um painel na Feira do Livro no próximo dia 12 de novembro, às 16h, no Auditório Barbosa Lessa do Espaço Força e Luz, intitulado Tormenta: A Coleção Arton, sobre esse universo literário e de RPG e seus novos títulos. Em seguida, às 18h, eles estarão na Praça de Autógrafos Gerdau.
Desafios do consumo nacional
A produção de literatura fantástica tem se ampliado no Brasil, com diversas editoras publicando obras desse campo e autores nacionais, conforme ambos os escritores. Para Falcão, a procura tem aumentado, principalmente após o auge da pandemia, com o público disposto a ir a eventos com essa temática. Contudo, o especialista ainda sente falta de um certo ímpeto dos leitores de comprar mais obras de autores brasileiros.
— Ainda se compra muitas obras de autores estrangeiros, isso eu acho que está bem em alta. A gente tem um pouco de dificuldade de romper esse padrão de consumo, de trazer mais para os autores nacionais esse tipo de venda — observa Falcão.
A escritora de Tormenta também percebe um consumo ainda muito atrelado ao Exterior, com booktubers e booktokers trazendo essas indicações, por exemplo. A produção nacional, por vezes, também é muito espelhada na estrangeira. Contudo, ainda que o panorama não tenha se alterado completamente, Kali destaca que o crescimento da procura por conteúdo nacional está se consolidando e permitindo, também, uma maior aproximação entre autores e leitores.
Ela atribui esse fenômeno a uma tendência recente de querer se identificar mais com aquilo que é consumido, com a busca por conteúdos produzidos no Brasil e por brasileiros, ao invés de somente traduções — a questão de royalties de tradução também pode ter influência nisso, pondera.
— Acho que isso também impactou no pessoal que lê aqui no Brasil, pensando: eu posso ler alguém que escreve não necessariamente sobre a minha realidade, mas vem a partir da minha realidade. Um exemplo: a alta fantasia que eu escrevo, mesmo sendo em um mundo medieval, vai ser especificamente brasileira, porque eu sou brasileira e vou escrever com o jeito que a gente tem de lidar com as coisas — explica Kali.
O impulso desse tipo de literatura está vinculado ainda a outros fatores, na visão da autora, com as crises mundiais e com guerras e questões climáticas acontecendo simultaneamente e tornando difícil, por vezes, lidar com a realidade. A arte entra, então, não como uma possibilidade de escape, mas como uma ajuda para processar — ao ler, por exemplo, uma história de ficção científica que trata da crise climática. Além disso, para Falcão, os gêneros fantásticos são muito divulgados em seriados e filmes. Assim, o audiovisual acaba se destacando como outra maneira de levar essas obras até o público.
— É uma pena que, no audiovisual no Brasil, a gente ainda não tenha tantos filmes de terror e seriados conhecidos, porque essa é uma indústria que nos Estados Unidos funciona superbem e acaba exportando — afirma.
No cenário brasileiro, o momento ainda é de criar alicerces para chegar a esse patamar, conforme o autor. Um dos caminhos que podem surgir a partir de mais oportunidades para os autores nacionais é exatamente a adaptação dessas obras para o audiovisual ou, até mesmo, para quadrinhos. Para isso, no entanto, é necessário que haja grande produção.
Ao mesmo tempo, já ocorre uma migração desse campo, saindo da literatura em prosa e alcançando outros espaços — como no caso de Falcão, que, para o próximo ano, já tem projetos de roteiro de quadrinhos e de um filme, chamado Edifício Bom Fim, escrito com Cesar Alcazar, Christopher Kastensmidt e Tabajara Ruas, patrono da Feira do Livro de Porto Alegre.
Formando leitores
Desde a infância, Duda Falcão teve predileção por obras de literatura fantástica. Esses gêneros tiveram uma importância grande em sua vida — primeiramente, ao torná-lo leitor.
— Assim que eu me tornei um leitor, eu, de certa forma, também queria ser um criador de conteúdo, no sentido de soltar a minha imaginação, de pensar o mundo a partir da leitura e da escrita. A literatura tem esse poder, e a literatura fantástica também — pontua.
Kali avalia que a literatura fantástica se comunica muito bem com o público jovem. A autora defende a existência de espaço para todas as formas de literatura:
— Eu amo os clássicos, eu sou formada em Letras, então eu nunca vou dizer "ninguém precisa ler Machado de Assis". Acho que todo mundo deve ler Machado de Assis. Mas entendo como talvez, quando eu tinha 14 anos, eu estava muito mais interessada em ler mangá, em jogar RPG, em ler e consumir outras formas de literatura que não apenas os clássicos. E acho que é muito importante a gente conseguir levar literatura para gente mais jovem. Eu sei como fez diferença para mim, na minha vida, amar ler, gostar de conhecer essas histórias. Eu acho que pode fazer uma diferença gigantesca na vida de todo mundo.