Habituada a escrever para crianças, a escritora Paula Taitelbaum sentia vontade de se dedicar a um livro para os pequenos que abordasse alguma temática social. Em meio às frequentes notícias de desmatamento na Amazônia e aquecimento global, entendeu que refletir sobre a preservação do meio ambiente era uma pauta que se impunha.
Ao convidar o artista Xadalu para fazer o desenho, Cadê Cadê, recém-lançado pela editora Piu, tornou-se um retrato da vida dos indígenas nas grandes cidades. Por isso, quase uma fábula triste.
Autora de Palavra Vai, Palavra Vem (2013, L&PM), Poupou e Ora Bolas, esses dois publicados em 2019 pela Piu, da qual é fundadora e proprietária, Paula já tinha elaborada na cabeça a história de uma menina indígena. Pensou em retratá-la deitada em uma rede, fazendo um colar com sementes.
O roteiro mudou quando Xadalu Tupã Jekupé, ou Dione Martins da Luz, seu nome de batismo, inicialmente conhecido por fazer arte urbana espalhando lambe-lambes de indiozinhos pelas ruas de Porto Alegre, alertou para a realidade a que esses povos originários estão inseridos.
— Ele disse: "Essa menina não deve estar deitada em uma rede, no seu lar. As mulheres indígenas do Rio Grande do Sul, das aldeias guaranis, vêm para a cidade vender artesanato. E elas estão invisíveis. As pessoas andam pelas ruas e não olham para elas. As pessoas têm preconceito com elas". Ele bateu muito nessa questão e isso me deixou impactada. Queria que o Xadalu fosse o meu parceiro mesmo, e não que só fizesse ilustrações. Graças a ele, o livro se transformou em um trabalho principalmente social.
Com uma linguagem simples, Cadê Cadê parte de uma semente em um colar para chegar à ausência de florestas, que foram substituídas por cidades. Quem conduz a narrativa é Cunhatã, que significa moça no idioma guarani, a segunda língua do livro, traduzida pela indígena Maria Ortega, ou Arai Poty, professora do ensino infantil em uma aldeia na região das Missões.
Cunhatã vende seu artesanato nas ruas, uma situação muito mais condizente com a atual vida dos indígenas do que aquele cenário em meio a árvores, rios e animais, algo infelizmente ameaçado.
Para se ambientar na história, Xadalu foi até a Rua dos Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre, e sentou-se com indígenas que comercializam cestos. Do chão, a visão que se tem é apenas de pernas caminhando para lá e para cá. Não se enxerga o rosto das pessoas, muito menos seus olhares.
É desse jeito que os brancos são retratados no traço do artista indígena que experimentou a invisibilidade ao abandonar ainda pequeno uma vida à beira do Rio Ibirapuitã, no Alegrete, para catar latinhas em Porto Alegre com a família a fim de sobreviver. Hoje já expõe em galerias como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e a Fundação Iberê Camargo:
— Ficção é tudo o que foge da realidade. Mas o que é retratado no livro não tem nada de ficção. A criança, ao ler o livro, vai entender que é uma realidade que existe.
De volta a Porto Alegre após realizar uma residência artística na Espanha, em uma escola jesuíta, onde pesquisou sobre a catequização indígena no oeste do Rio Grande do Sul, Xadalu defende que a questão indígena seja abordada em sala de aula para que o futuro da humanidade tenha um rumo diferente do que vêm alertando as previsões:
— É necessário falar de forma pedagógica para as crianças que as cidades de hoje foram aldeias de ontem. Que pisamos em territórios sagrados sem saber disso. Na educação infantil, temos dificuldade em ter um espaço no currículo que fale sobre os povos originários, sobre os indígenas, sobre os negros. A criança que não tiver essa orientação será o ignorante de amanhã.