Leitora de HQs clássicas como Maus, de Art Spiegelman, e de clássicos da literatura adaptados para HQs, a escritora Leticia Wierzchowski transpôs para o desenho seu maior romance, A Casa das Sete Mulheres (2002). Passados mais de 20 anos da publicação, a história que tem como pano de fundo o maior conflito armado do Rio Grande do Sul foi lançada em setembro com quadrinhos de Verônica Berta e selo da Maralto.
Em 2019, em uma viagem de férias com os filhos, Leticia levou para o período de descanso grandes romances transformados em quadrinhos, como Os Sertões, de Euclides da Cunha, e A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Inspirou-se com as leituras e escreveu um roteiro para HQ da história das sete mulheres da família do general Bento Gonçalves que ficam na estância à beira do Rio Camaquã enquanto os homens partem para lutar na Guerra dos Farrapos (1835-1845).
Como já havia tido a experiência de adaptar o romance para a minissérie homônima da Globo (2003), não encontrou dificuldade em enxugar as mais de 500 páginas e transformá-las em uma narrativa visual.
— É como fazer um roteiro para filme. Tudo o que vai para o roteiro terá que ser visto. No HQ, eu podia ter uma narradora, que é a Manuela. Um narrador em primeira pessoa facilita, porque ele aglutina muitas informações. Foi um trabalho de condensação — conta a escritora.
No livro, Manuela, a personagem principal, é retratada como uma mulher de cabelos castanhos, mas na HQ a sobrinha de Bento Gonçalves que se apaixona pelo guerrilheiro italiano Giuseppe Garibaldi é ruiva, tal como surgiu na pele da atriz Camila Morgado. Leticia entendeu que os quadrinhos precisavam estar em consonância com a imagem que o público tinha da romântica e trágica personagem que se popularizou na televisão.
— Há documentos de época que mostram que a Manuela era morena. Mas as pessoas, quando pensam nessa personagem, lembram dela ruiva por causa da minissérie. Então não quis colidir com o imaginário coletivo.
A HQ é baseada somente no primeiro livro da saga batizada de Trilogia Farroupilha. A depender da repercussão, existe a intenção de também transpor para desenhos os livros Um Farol no Pampa (2004), ambientado durante a Guerra do Paraguai (1864-1870) e a Proclamação da República (1889), e Travessia (2017), que aprofunda a história de amor entre Giuseppe e Anita Garibaldi, casal que lutou lado a lado na Revolução Farroupilha e na Unificação Italiana, finalizada em 1861.
Apesar de ser condensada em quadrinhos, a história, garante Leticia, não perdeu seu drama e sua densidade histórica e nem ganhou tom infantil.
— As pessoas acham que quadrinho é gibi, né? Sendo que temos uma tradição de grandes histórias escritas em quadrinhos, inclusive algumas bem pesadas, como Maus, que conta toda a Segunda Guerra Mundial e foi a primeira graphic novel a ganhar o Pulitzer. A Casa das Sete Mulheres não é uma história fácil. O que acontece é que, por ser em quadrinhos, abrange um número maior de leitores. No Brasil, as escolas estão adotando os grandes romances em quadrinhos.
Autora de mais de 30 livros, a escritora tem apreço especial por A Casa das Sete Mulheres, história que surgiu após ler Os Varões Assinalados (1985), de Tabajara Ruas, considerado o grande romance sobre a Guerra dos Farrapos. Na obra focada na batalha travada pelos homens, ficou intrigada ao ler uma única página dedicada ao jantar que Giuseppe Garibaldi faz em uma residência repleta de mulheres. Ligou para o amigo e colega de ofício e pediu se poderia se aprofundar na trama, não só recebendo o aval, mas ganhando dele a orelha da obra que marcou a literatura rio-grandense por retratar as mulheres na guerra que virou motivo de orgulho.
— Fazer literatura é encontrar uma maneira diferente de contar uma história muitas vezes contada. A gente ouviu tanto sobre a Guerra dos Farrapos, que eu pensei: e as mulheres? Então vou entrar pela porta dos fundos da Revolução Farroupilha e contar o que estava acontecendo fora do campo de batalha, que é a vida daquelas mulheres que seguravam a barra do cotidiano. O livro é moderno porque acabou se antecipando a essa atual demanda do feminismo.