Após mapear os dramaturgos gaúchos do século 19 até o presente, resgatando nomes que acabaram esquecidos na história em seu Dicionário de Autores da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul, e reunir textos de autores de teatro do século 19 na Antologia da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul (Século XIX), o pesquisador e diretor teatral Antenor Fischer, 63 anos, achou que poderia fazer mais.
Havia passado cerca de 20 anos dedicado a pesquisar a história do teatro gaúcho, entre graduação, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados, mas ainda não era o bastante. Resolveu completar o trabalho de resgate escrevendo o roteiro para uma telenovela de tema gaúcho.
Dividida em cinco volumes de cerca de 400 páginas cada um, totalizando 2 mil páginas, Querência acompanha a vida na fictícia Faustinópolis, fundada pelo personagem principal da trama, o estancieiro Faustino Correia. É em Faustinópolis que a maior parte das histórias de amor e vingança, os dramas humanos e os acontecimentos cômicos que embalam a novela se desenrolam, em um espaço temporal que vai de 1833 a 1864.
A relação entre Querência e o teatro gaúcho não é óbvia, mas intrínseca. A telenovela só existe porque Fischer dedicou esses 20 anos de sua vida a pesquisar a dramaturgia do Estado. Isso porque muitos personagens e boa parte do enredo da história foram retirados de textos de autores gaúchos descobertos por ele no âmbito da pesquisa — algo que o autor faz questão de referenciar na introdução do roteiro, citando peça por peça, autor por autor, de onde tirou suas inspirações. Assim, a novela é mais um resgate da literatura dramática gaúcha proposto por Fischer, agora mesclando o trabalho acadêmico com a sua escrita autoral.
— Li e estudei todas as peças de teatro do Rio Grande do Sul. Mesmo que fosse uma peça ruinzinha, às vezes havia um personagem que era bom, uma cena que era boa, um diálogo que era interessante. Comecei a pinçar esses elementos e formular uma história a partir disso — explica. — São mais de cem personagens. Conseguir tramar isso, fazer com que eles corram lado a lado, entrelaçar as histórias, foi muito complicado. Tive uma preocupação de dar relevância para todos os personagens. É claro que há os principais, mas todos têm o seu momento de brilho. Como fui ator, sei que é muito triste entrar em cena só para dizer uma fala (risos).
Foram quatro anos até finalizar a miscelânea de referências do teatro gaúcho e criações autorais que deu origem ao texto. Ficou pronta em 2019, ano em que Fischer publicou, com investimento próprio, sob o selo criado por ele — o FischerPress —, algumas poucas cópias dos cinco volumes que formam a novela. Distribuiu o robusto trabalho a amigos e fez tentativas de levá-lo às telas.
Bateu uma frustração por não ter conseguido emplacar a história na TV, ele confessa. O conforto veio de amigos que leram a trama da novela e se encantaram com a história. Foi por sugestão deles, aliás, que Fischer adaptou o roteiro para a prosa, resultando em uma versão de Querência em formato de romance. No início, o autor achou a sugestão absurda, pois daria trabalho demais traduzir o texto de uma linguagem para a outra. Mas aí veio a pandemia, o isolamento, a falta do que fazer dentro de casa, e o que antes lhe parecia uma missão impossível acabou enfim ganhando sua simpatia.
A nova empreitada de Querência, o romance, foi concluída em outubro deste ano, dividida também em cinco volumes, somando outras 2 mil páginas. Esta versão em prosa foi publicada na sequência por Fischer, igualmente do próprio bolso, em pequena tiragem para distribuição a amigos e editoras, na tentativa de chamar a atenção de alguma que se interesse por publicar a obra em larga escala.
— Talvez seja esse o projeto da minha vida, por isso que eu gostaria de vê-lo avançar. Seria o clímax, o ponto alto da minha trajetória. Em 10 anos de teatro, nunca recebi um cachê. Na literatura, a mesma coisa. Nunca ganhei um centavo com a arte, só gastei (risos). Sempre fiz e continuo fazendo por amor — diz Fischer.
Entre escrever a novela e adaptá-la para a prosa, foram seis anos sem nenhum tipo de incentivo, a não ser o desejo de ver a cultura do Rio Grande do Sul reverenciada na televisão e na literatura. O resultado disso são os 10 volumes de Querência — cinco como roteiro, cinco em prosa —, que juntos somam 4 mil páginas de trabalho, e o desejo de ver o projeto chegar à televisão e ser publicado por alguma editora.
— Não diria que é um sonho, mas evidentemente seria uma alegria enorme. Quando você escreve algo, quer que chegue a muitas pessoas. Sinto que ainda não consegui isso com o meu trabalho — reflete o autor, que tem mais de 10 obras publicadas, entre acadêmicas e literárias.
Interessados em conhecer a obra de Fischer podem contatar o autor pelo do e-mail fischer.antenor@gmail.com.