A internet não é só terra de memes. Há quem faça sucesso — "viralizar" é o termo correto — falando de livros.
Os influenciadores literários — ou booktokers — estão arregimentando milhares de seguidores ao demonstrar encantamento com Machado de Assis e opinando sobre o mais novo título de um escritor contemporâneo. Graças a seu poder de alcance, grandes editoras do Brasil estão se aliando a esses criadores de conteúdos.
O caso da norte-americana Courtney Henning Novak é um exemplo da potência dos influenciadores de livros. Desafiando a si mesma a ler um livro de cada país, seguindo a ordem alfabética, ela logo contemplou o Brasil, onde descobriu o clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis. Publicou um vídeo no TikTok confessando-se apaixonada.
— Eu tenho três grandes problemas com esse livro. Primeiro, a minha edição só tem 300 páginas. Só faltam cem páginas para mim, e se eu for muito cuidadosa elas vão durar até o fim de semana. E aí? O que eu deveria fazer com o resto da minha vida?— brincou Courtney.
Sorte da editora que publicou Machado no inglês. Logo após a recomendação de Courtney, a tradução de Memórias Póstumas de Brás Cubas feita por Flora Thomson-DeVeaux e editada pela Penguin Books tornou-se a mais vendida na categoria de literatura caribenha e latino-americana na Amazon dos EUA.
"Vi que algo grande estava acontecendo"
Foi na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, em 2023, que Tati Ramos, coordenadora de marketing da editora Rocco, deu-se conta de que os influenciadores literários já tinham virado um tipo de celebridade de internet.
— Aquele momento foi um divisor de águas. Foi ali que eu vi que algo grande estava acontecendo. Os adolescentes iam atrás e pediam para fazer fotos com eles — lembra.
Fundada em 1975, no Rio de Janeiro, a editora decidiu, a partir daí, estreitar relação com quem sabe conquistar as redes sociais falando de literatura. Passou a fazer dois tipos de ação: enviar livros para leitores fiéis da Rocco, sem necessidade de que eles fizessem algum tipo de conteúdo, e contratar personalidades específicas para divulgar alguns títulos, parceria coloquialmente chamada de "publi".
Mas há uma estratégia: enviar um tipo de leitura que combine com o perfil de determinado influenciador, cuidado que outras empresas do setor também adotam, como o clube de livros TAG — Experiências Literárias, de Porto Alegre, com 10 anos recém- completados.
Sócia e diretora de marketing da TAG, Laura Zuanazzi conta que esse tipo de parceria surgiu para eles em 2019, quando chamaram a influenciadora Jout Jout para ser embaixadora da campanha Um Livro por Mês.
— A gente focava influenciadores de lifestyle como a Jout Jout, mas depois entendemos que havia uma riqueza muito grande em focar diretamente os influenciadores de livros. Porque eles amam a literatura e agregam muito valor ao conteúdo criado — diz.
Para Laura, a linguagem simples dos influenciadores literários democratiza a reflexão sobre livros e literatura. Como a editora fornece cupom aos influenciadores para que eles repassem a seus seguidores, a TAG consegue calcular o impacto dessa parceria: passa de 20% a representatividade deles nas vendas da editora.
— A gente fala que os influenciadores ajudam a tirar a literatura do pedestal. Não tem aquela coisa do "eu sou leitor e estou em um nível diferente de outras pessoas". Se a pessoa ainda não lê, é porque não encontrou a sua paixão na literatura. E os influenciadores de livros ajudam as pessoas a entender o tipo de livro que vão gostar de ler — considera.
Alcançando o público mais novo e hiperconectado
Um dos pontos mais elogiados na ação dos influenciadores de livros é que eles alcançam o público mais novo e hiperconectado, como observa Rafaella Machado, editora-executiva da Galera e da Verus, selos juvenis do Grupo Editorial Record, uma das editoras mais antigas do país, no mercado desde 1942.
Inclusive, a mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil contraria o estereótipo de que os jovens não leem: o percentual de leitores entre as crianças de 11 a 13 anos é de 81%; entre as de 14 a 17, é de 62%. Conforme a idade avança, a taxa vai caindo. Entre as pessoas de 30 a 39 anos, apenas 45% são leitores; entre as de 40 a 49 anos, 41%.
— Quem não está lendo são os adultos. — diz Rafaella. — O jovem lê, participa e é supervocal na divulgação de livros. Quando falamos de literatura jovem, temos que falar da formação do hábito de leitura e precisamos das pessoas que vão panfletar essas histórias, panfletar essas sagas literárias que tanto atraem os jovens.
Contudo, a editora-executiva da Galera e da Verus enxerga um limite na parceria com os influenciadores. Acredita que, conforme aumente o conteúdo pago pelas editoras e diminua o orgânico (feito despretensiosamente, sem intenção de viralizar), há chance de que os influenciadores de livros percam sua potência de inspirar.
— Na medida em que há muita gente fazendo publi, a tendência é que isso engaje menos. Acho que o leitor quer uma opinião sincera sobre aquele livro. No começo, havia pessoas anônimas falando sobre livros de forma despretensiosa. A partir do momento em que isso vira modus operandi, vai saturar. E vamos ter que achar outra forma das boas histórias circularem.