Leia entrevista com o pesquisador gaúcho Antenor Fischer, que acaba de lançar pela editora FischerPress - que ele mesmo criou - a Antologia da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul (Século XIX). Organizada em oito volumes, além de um nono que reúne os estudos introdutórios dos demais, a obra resgata autores gaúchos do século 19 hoje desconhecidos, em um panorama que recupera debates e aspectos da sociedade da época.
Antenor Fischer resgata dramaturgos gaúchos em antologia de nove volumes
A publicação da Antologia é um sonho para você?
Não diria que é a realização de um sonho, mas não nego que me sinto feliz por ver um projeto acadêmico desenvolvido, lá em 2009, finalmente concluído, ou seja, em formato de livro. Mesmo ciente da dificuldade de se publicar obras acadêmicas no Brasil, a ideia de fazer chegar o resultado de minha pesquisa ao máximo de leitores acompanhou-me desde que apresentei o projeto ao PPGL (Programa de Pós-Graduação em Letras) da PUCRS. Considerando que os estudos produzidos em nível de pós-doutorado não são publicados na Plataforma Lattes, não teria mesmo muito sentido produzir uma obra desse vulto ou extensão se não fosse para publicá-la.
Fábio Prikladnicki: a reinvenção da crítica teatral
Conte um pouco sobre a sua saga para publicar a Antologia.
Usaste a palavra certa: foi mesmo uma saga. Desde o início eu estava ciente da cumbuca em que estava metendo a mão. Levei apenas um ano para produzir os oito volumes da Antologia. Para conseguir publicá-los, levei seis. Talvez temendo ser visto como um louco inconsequente, que rasga dinheiro, tive o cuidado de elucidar essa questão na nota introdutória. Face ao desinteresse das editoras, sob a alegação de que obras acadêmicas não dão lucro, encomendei à Liga Produção Cultural a elaboração de dois projetos (um para a Antologia e, outro, para o Dicionário), para inscrição na Lei Rouanet e no Pró-Cultura - Lei de Incentivo à Cultura/RS. Apesar de ambos os projetos terem sido aprovados, todas as tentativas dos captadores de patrocínio junto às empresas (mesmo daquelas que se dizem apoiadoras da cultura gaúcha!) resultaram frustradas.
Somente em 2014 retomei a ideia de editar o Dicionário de Autores. Para não publicá-lo como "edição do autor", abri minha própria editora, uma microempresa, a FischerPress. Por se tratar de uma obra volumosa (350 páginas, no formato 18 x 25 cm), a ser custeada com recursos próprios, decidi fazer uma edição de apenas cem exemplares.
O evento de lançamento do Dicionário de Autores, ocorrido na Casa dos Bancários de Porto Alegre, em 11 de novembro de 2014, passou praticamente despercebido do grande público. Mais de cem autores teatrais contemplados com verbetes na obra foram convidados para o coquetel e sessão de autógrafos. Mais de 50 confirmaram presença. Apenas 10 compareceram. Em janeiro deste ano, porém, o Dicionário foi objeto de uma crítica extremamente favorável, assinada pelo professor Antonio Hohlfeldt, e de uma extensa e vistosa matéria tua, na capa do 2º Caderno da edição de Zero Hora. Generosamente, fizeste também uma matéria sobre a Antologia da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul (Século XIX), dedicando a ela as duas páginas centrais do mesmo caderno. A crítica elogiosa e a tua matéria foram decisivas para que eu repensasse o destino da Antologia.
O aprendizado com a experiência da publicação do Dicionário e o fato de se tratar da edição de uma obra em oito volumes (aos quais, na última hora, acabei acrescentando um nono, intitulado A Literatura Dramática do Rio Grande do Sul, Século XIX - Estudos Temáticos, em que se encontram reunidos apenas os ensaios introdutórios dos oito volumes da Antologia) fizeram com que a edição impressa da Antologia fosse de apenas 25 exemplares, para distribuição, gratuita, a alguns professores e profissionais das áreas das Letras e das Artes Cênicas e às principais bibliotecas do Estado e do país. Tive a preocupação de fazer a edição da Antologia também em formato digital, igualmente para distribuição gratuita (mediante solicitação pelo e-mail fischerpress@gmail.com).
Que frutos você espera da publicação da Antologia? Espera que outros pesquisadores também se debrucem sobre o assunto? Espera que grupos de teatro encenem os textos?
Sinceramente, não espero obter nenhum fruto com a publicação, mas espero que a Antologia se transforme numa semente bastante fértil. Que ela se torne uma referência, um ponto de partida para outros estudos acadêmicos nas áreas das Letras e das Artes Cênicas de nosso Estado. Quem sabe até na área da Sociologia, já que os estudos introdutórios dos oito volumes fornecem uma visão sociológica bastante ampla do Rio Grande oitocentista, a partir de sua literatura dramática. Gostaria de ver, sim, grupos encenando os autores e textos resgatados. Aliás, eu mesmo gostaria de participar, como ator ou diretor, de alguma encenação.
Como foi o evento de lançamento da Antologia na Feira do Livro de Porto Alegre? Quais foram as curiosidades do público?
Apesar do empenho do coordenador da Escola de Espectadores de Porto Alegre, Renato Mendonça, na organização e divulgação do evento, a multidão não chegou a se acotovelar na entrada do auditório. Para falar a verdade, não chegou sequer a disputar uma das oitenta cadeiras do Memorial do RS, onde o evento foi realizado. O público presente, porém, acompanhou, com muito interesse, as leituras dramáticas de quatro dos 31 textos reunidos na Antologia. Participou, também, ativamente, com muitas perguntas, sobre a história gaúcha do século 19, sobre os autores, sobre as temáticas dos oito volumes, especialmente sobre os valores que, à época, regiam as relações sociais e sobre a escravidão da mulher naquela sociedade.
Desde a publicação do Dicionário de Autores da Literatura Dramática do Rio Grande do Sul, como você tem sentido o interesse dos leitores no assunto?
Se houve alguma mudança no interesse dos leitores em relação à dramaturgia gaúcha, essa mudança não chegou ao meu conhecimento. Talvez por eu não viver no meio acadêmico. Gostaria, sim, que houvesse um interesse maior pelo tema, a começar pelos professores das áreas das Letras e das Artes Cênicas. Aliás, um fato que me chamou a atenção - e, por que não dizer, me preocupou e entristeceu - é que, tanto no lançamento do Dicionário como no da Antologia, a ausência de professores foi absoluta. Nenhum professor do curso de Artes Cênicas da UFRGS e dos cursos de Letras da PUCRS e da UFRGS, em cujos programas de pós-graduação as obras foram produzidas, dignou-se a comparecer aos eventos. Aliás, até hoje, nenhum deles se interessou em adquirir o Dicionário de Autores ou me solicitar, gratuitamente, a Antologia.
Entrevista
"Gostaria que houvesse interesse maior pelo tema", diz autor de antologia teatral
Antenor Fischer lança obra em nove volumes que compila a dramaturgia gaúcha do século 19
Fábio Prikladnicki
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: