Já na entrada da Biblioteca Pública do Estado (BPE), em Porto Alegre, uma estátua de Marcel Proust (1871-1922) em tamanho real recebe os visitantes, convidando todos para conhecerem o seu rosto pouco antes de depararem com a sua obra vasta e importantíssima para a literatura mundial. A exposição Caminhos de Proust – Cem Anos Depois, que homenageia o escritor francês no centenário de sua morte (completado no dia 18 de novembro), será aberta nesta quinta-feira (1º/12) e seguirá em cartaz até 17 de fevereiro de 2023, com visitação de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h, e aos sábados, das 10h às 17h. Tudo gratuito.
A mostra tem curadoria do médico e escritor Gilberto Schwartsmann e mescla primeiras edições e obras raras de Proust, em uma contextualização da época do escritor. Haverá mais de 200 itens expostos, sendo parte deles cedidos por Pedro Correa do Lago, considerado um dos maiores colecionadores de manuscritos da América Latina. O restante das peças será da própria coleção de Schwartsmann — que se considera um "doido por Proust desde mocinho" —, além de alguns itens vindos de outros interessados.
— Eu já fui a todas as exposições possíveis e imagináveis sobre Proust na França, na Inglaterra, em tudo quanto é lugar. E não teve, na América Latina, e não sei se do jeito que a gente está fazendo, na Europa, uma coisa tão interessante, tão bem estruturada como essa. E ela vai acontecer dentro de uma biblioteca que está funcionando. Então, é uma experiência incrível e uma homenagem para Proust, que era um apaixonado pelo livro — destaca o curador.
E a ligação de Proust com o Brasil passa justamente por Porto Alegre, uma vez que a primeira tradução da obra do francês no país foi realizada na Capital, em um trabalho de Mario Quintana, em 1948, com o poeta gaúcho passando para a língua portuguesa os quatro primeiros volumes de Em Busca do Tempo Perdido, por iniciativa da Editora Globo. E tudo isso estará representado na mostra, com espaço especial.
— Inclusive, para quem não conhece a obra de Proust, um bom início é No Caminho de Swann, primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido. E o Quintana, que traduziu, é um poeta. Ele, então, traduziu de forma poética, bem diferente dessas coisas frias que se encontra por aí. Acho uma boa tradução — avalia Schwartsmann.
Mergulho com Proust
A mostra dedicada a Marcel Proust vai além de apenas exibir as obras do francês. A curadoria preparou uma experiência imersiva completa, inclusive com os visitantes tendo a oportunidade de saborear as famosas madeleines — um tipo de bolinho — mergulhadas no chá, que acionaram a memória afetiva do escritor francês e deram origem a Em Busca do Tempo Perdido. Dentro deste contexto, haverá um espaço montado em parceria com o Instituto do Cérebro da PUCRS que irá explicar cientificamente como o cérebro humano registra as memórias das sensações e das emoções, que permeiam a grande obra do autor.
Também terá uma linha do tempo que percorre toda a exposição, destacando a vida do escritor e apontando eventos relevantes, em uma contextualização histórica, política e sociocultural. Retrata uma época de grandes transformações, em que também viveram nomes como Sigmund Freud e Albert Einstein, contemporâneos de Proust — apesar de nunca terem se conhecido.
— Proust escrevia muito sobre o prazer da leitura e, por isso, vai ter animação para crianças, com textos dele sendo lidos como se fosse pelo próprio: uma instalação sonora com trechos de obras sendo recitadas na voz de Zé Adão Barbosa. Terá várias coisas educativas, mostrando como Proust construiu os seus personagens. Ele se baseava na vida real e será um momento muito especial da Biblioteca Pública, que também está fazendo cem anos — aponta o curador.
E dentro da Sala Borges de Medeiros haverá uma ambientação de Proust com as influências que o alimentaram durante toda a sua existência e o tornaram esta referência na literatura universal. Lá estarão Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói e Dante Alighieri, além de obras raras de Honoré de Balzac, Saint-Simon, Madame de Sevigné e Charles Dickens, entre outros. Uma imersão em influências que pode inspirar, de repente, o surgimento de um novo Proust.
E, nesta mesma batida, Caminhos de Proust ainda será estendida em um projeto educativo, levando a obra do francês a escolas e universidades, com leituras, oficinas de escrita criativa e um programa que mostra o processo criativo de Quintana para traduzir Em Busca do Tempo Perdido. Especialistas na obra do autor, brasileiros e estrangeiros, estarão à frente da programação de mesas-redondas, marcadas para os dias 7, 8 e 9 de dezembro, sob a coordenação da professora Maria Luiza Berwanger da Silva.
— Proust é, provavelmente, o maior romancista do século 20. Ele foi o primeiro, digamos, que mergulhou no ser humano, na análise do que é uma pessoa. Então, quando tu lês a obra dele, parece que estás te olhando no espelho. Esse é um evento que é uma resposta da cultura e do lado saudável do ser humano contra as baixezas que acompanhamos neste ano. A cultura tem essa propriedade de nos dar um ânimo quando pensamos que está tudo perdido. Acho que vai ser uma coisa muito bonita — finaliza Schwartsmann.