Mesmo com o tempo preparado para chover a qualquer momento — como, de fato, ocorreu algumas breves vezes —, a 68ª Feira do Livro de Porto Alegre registrou movimento intenso neste domingo (6). Um dos fatores foi a presença do ator, diretor e escritor Lázaro Ramos, que participou de um painel e também de uma sessão de autógrafos durante a tarde — ao fundo, insistentes buzinaços e vuvuzelas por parte de manifestantes que pediam intervenção militar no Centro Histórico não atrapalharam as atividades.
Em um Teatro Carlos Urbim lotado — inclusive, com pessoas do lado de fora do espaço — e ao lado do publicitário gaúcho Alê Garcia, o artista falou sobre o seu processo de criação e, principalmente, sobre a importância da arte para a construção da sociedade. Ao começar o evento, Lázaro, que foi aplaudido de pé ao chegar, relembrou que a sua relação com Porto Alegre começou no início dos anos 2000, durante as gravações de O Homem Que Copiava (2003), repetindo a visita por diversas vezes, as quais ele enfatizou que sempre foram "emocionantes".
Lázaro explicou que sempre foi uma criança inquieta e que a arte foi a forma que encontrou para se comunicar com o mundo. A partir dela, ele passou a trabalhar para tornar a convivência coletiva melhor. Porém, a possibilidade de ser escritor jamais passou por sua cabeça, até que escreveu a sua primeira peça teatral, Paraturas, em uma noite de insônia.
A partir daí, não parou mais: foram seis livros infantis, um com relatos pessoais, um para adolescentes — Você Não é Invisível, que será lançado na próxima semana — e Medida Provisória: Diário do Diretor, obra baseada em sua primeira experiência na direção cinematográfica, Medida Provisória, e que o levou até a Feira do Livro.
— O livro é o meu lugar de total liberdade — explicou, completando que tem estratégias para fisgar o público com suas obras, mesclando gêneros. — Eu não quero falar somente para quem pensa como eu. Quero sair da minha bolha. Então, começo sempre com um gênero de fácil compreensão e, depois, vou passando para os assuntos mais densos.
Ele afirmou também que não gosta de abordar o racismo em suas obras, mas apontou que, por ter o microfone, por sua voz ser ouvida, ele não enxerga alternativas a não ser tratar do assunto:
— Não é prazeroso falar sobre racismo. O processo é doloroso. Queria chegar aqui e falar sobre processo criativo, outras coisas. Mas é um tema que vai me tomando de assalto e não tenho como mascarar. Recebo muitas histórias, relatos e não tenho opção, mas não tenho prazer em falar sobre racismo, tenho responsabilidade.
Lázaro ainda falou sobre a importância de um espaço como a Feira do Livro de Porto Alegre, ressaltando que o evento, gratuito e realizado em praça pública, é uma "celebração à vida" e um "lugar de libertação". Após o microfone ser aberto ao público, a emoção tomou conta, com participantes do evento ressaltando a importância da obra do convidado em suas vidas e também enaltecendo a relevância da contribuição do baiano para a cultura do país.
— Hoje em dia, nós temos de pensar além do sonho, temos de imaginar o inimaginável. A gente ainda está muito atrasado em relação à criação de nação — apontou.
A GZH, Lázaro celebrou a sua nova visita à Capital:
— O público aqui de Porto Alegre é muito rico, de alto nível. Deu para falar sobre vários assuntos ligados à arte, à cultura, à literatura. Foi exatamente o que eu esperava. Aqui, sempre foi muito bacana todas as vezes que eu tive possibilidade de fazer interação através de produção cultural, seja lançando filme, peça de teatro e, agora, com livro.
Inspiração
Depois, o artista partiu para a sessão de autógrafos, onde uma fila, que saía da Praça de Autógrafos, no coração da Praça da Alfândega, e quase chegava na Rua Caldas Júnior, aguardava ansiosa pelo contato com o artista. Alessandra Machado, estudante de Turismo de 22 anos, contou que descobriu o escritor quando ele interpretou o personagem Foguinho, da novela Cobras e Lagartos (2006).
— Ele podia ter parado ali no Foguinho, que já foi um grande sucesso, mas não. Ele seguiu por outros caminhos e, agora, ele vem e lança livro na nossa cidade, no momento em que tem gente fazendo buzinaço na frente da Feira do Livro e cantando para um pneu. Olha a dimensão disso. É raro o nível de conhecimento, de cultura e de tudo que ele representa para a gente — disse Alessandra.
Para a atriz e professora de Teatro Dedy Ricardo, 45 anos, a participação de Lázaro Ramos na Feira do Livro foi "emocionante", o que ainda foi intensificado por ele ser um artista que atua em várias frentes e "sempre com muita competência":
— Esse lado da literatura dele é uma coisa que a gente começa a ver bem depois, quando ele já está consolidado como um artista. E é tão forte, tão bonito ele estar aqui em Porto Alegre, na nossa Feira do Livro, lançando um livro dele. É uma honra poder ouvir a história dele, as experiências dele e saber que ele tem uma história parecida com a nossa, que vive na periferia. Eu comecei a fazer teatro dentro do social, assim como ele. É espelho e isso nos fortalece.
Domingo na praça
Também ajudou a movimentar a Feira do Livro neste domingo a presença do jornalista do Grupo RBS Rodrigo Lopes, que realizou sessão de autógrafos de seu novo livro, Trem Para Ucrânia. Além dele, o gaúcho Alê Garcia, que mediou o painel com Lázaro Ramos, teve uma sessão de autógrafos, às 18h, de seu livro Negros Gigantes. Ele e o autor de Medida Provisória: Diário do Diretor dividiram a Praça dos Autógrafos e Alê comemorou voltar a Porto Alegre, dizendo que a experiência é "muito gostosa".
— Vou autografar o meu livro na Capital pela primeira vez, depois de ter lançado ele em julho, em São Paulo. Então, isso também vai ser emocionante, porque é sempre importante voltar para o seu pago — comemorou.
Para os livreiros, o movimento de domingo foi positivo, com poucos conseguindo parar para dar entrevista, devido ao grande número de pessoas que se aglomeravam em frente às bancas. Jeferson da Rosa, 50 anos, funcionário da Mania de Ler, conseguiu dar uma fugidinha e comemorou o desempenho das vendas nos últimos dias.
— Para hoje, vai bater a expectativa para um domingo. Talvez até supere. A feira está com um movimento muito bom, mesmo com as instabilidades ao redor. E não temos mais as restrições do ano passado, o que também ajuda — comenta, destacando que os livros que mais estão saindo são os que tratam de política.
A 68ª Feira do Livro de Porto Alegre segue na Praça da Alfândega até o dia 15 de novembro.