— Eu deito para dormir e continuo ouvindo as sirenes antiaéreas — diz o repórter internacional do Grupo RBS Rodrigo Lopes.
Enquanto milhões de ucranianos deixavam suas casas, fugindo da guerra travada pela Rússia, pouquíssimas pessoas queriam fazer o caminho inverso, indo em direção ao confronto. E Lopes foi um desses que decidiram nadar contra a corrente. Dessa experiência, nasceu o livro Trem Para Ucrânia (Besouro Box, 153 páginas), no qual narra os seus 11 dias vivendo aquela realidade que se assemelha a um pesadelo.
Tal qual um soldado que serve ao jornalismo, quando há um confronto, Lopes, instantaneamente, sente-se convocado para estar próximo ao campo de batalha. O seu objetivo é ser os olhos e os ouvidos do mundo, reportando, in loco, as mazelas da guerra, e explicando como aquele episódio, a milhares de quilômetros de distância, pode impactar a vida dos brasileiros e, mais especificamente, dos gaúchos, resultando no aumento do preço dos fertilizantes, dos combustíveis, do dólar. Mas, principalmente, detalhando como é cruel quando as divergências se resolvem na bala.
Assim, em busca da verdade em tempos de desinformação, ele embarcou para o conflito logo no primeiro dia, 24 de fevereiro deste ano, para realizar uma cobertura multimídia — fez entradas ao vivo na rádio, escreveu textos para o site e para o jornal e ainda produziu, pela primeira vez, conteúdo focado para as redes sociais.
Dentro desse cenário, em que a velocidade da informação se tornou quase tão essencial quanto a própria, o jornalista decidiu, após o seu retorno ao Brasil, que o seu livro seria um recorte, uma espécie de primeiro capítulo de uma história que segue em andamento:
— É sinal dos tempos, as coisas são muito rápidas, líquidas. A gente carece de explicações, de contexto. A gente tem muito a ideia de que o livro é algo definitivo, mas eu queria mostrar que pode ser o retrato de um momento, uma história não finalizada que, talvez, possa ter uma segunda, uma terceira edição, mas havia a necessidade era mostrar que estávamos diante de um fato histórico.
Com o conflito em território ucraniano ainda em andamento, Lopes acredita que o seu livro pode despertar o interesse daqueles que querem entender o conflito, com uma leitura rápida mas explicativa e, acima de tudo, imersiva - tal qual o roteiro de uma série baseada em fatos, que o espectador quer maratonar, mesmo que já tenha conhecimento do que vai acontecer.
A jornada do repórter
Quando conseguiu pegar o trem e entrar na Ucrânia, Lopes já estava há uma semana cobrindo o conflito nos países que fazem fronteira com a nação atacada pela Rússia. E foi apenas na terceira tentativa que ele de fato adentrou o país.
"Em situações como essa, a adrenalina nos joga para frente, nos faz querer seguir, entrar. O medo, por sua vez, paralisa. Se há muita adrenalina, a chance de cruzar uma linha vermelha e ser ferido ou morto é maior. Excesso de medo nos prende ao hotel. E lugar de repórter é na rua, onde a história está sendo escrita. Ao vivo", escreve na nova obra.
Ao longo de seu relato, Lopes descreve os bastidores de sua jornada, desde quando tomou a decisão de ir para a guerra, passando pelas conversas com os seus gestores e colegas, até seus conflitos internos, de deixar a família para ingressar em mais uma busca sem garantias. Ele intercala a sua própria aventura com as histórias de brasileiros que estavam tentando fugir do território ucraniano, além do contexto histórico do conflito e a origem do país.
— Eu também quis quebrar um pouco da ideia dos mitos do correspondente de guerra herói. Tento quebrar desde o meu primeiro livro (Guerras e Tormentas, de 2011). Não tem glamour e, em Trem Para Ucrânia, escancaro que eu senti medo. Entrar naquele trem poderia ser o sucesso ou o fracasso da cobertura. E, muitas vezes, pensei em não entrar, porque não sabia se ia conseguir sair da Ucrânia depois — conta, detalhando que a escolha de entrar no conflito é do repórter.
Ao pesar os prós e contras, recebendo os incentivos de amigos e familiares, o jornalista entrou na Ucrânia e, de lá, reportou o sofrimento de um povo sendo atacado por um gigante militarizado. Ao assistir, de perto, ao confronto, Lopes tomou um lado:
— É a primeira vez que eu faço isso, de me posicionar. O livro é uma oportunidade que tu tens de aprofundar o assunto, mas, ao mesmo tempo, acho que estamos vivendo um momento no Brasil e no mundo em que é necessário tomar algumas posições. Não dá para ficar em cima do muro e não dá para se esconder atrás de metáforas. Um país invadiu outro. E eu mostro um lado específico, que foi o lado que eu conheci.
Com a sua escrita, que levou cerca de dois meses entre fazer longas entrevistas com suas fontes, reviver momentos através de fotos e vídeos e detalhar a história da Ucrânia, Lopes garante que conseguiu exorcizar parte do sofrimento vivido durante a guerra, como uma espécie de terapia. Mas ele segue ouvindo as sirenes antiaéreas sempre que fecha os olhos.
"Ninguém quer guerra. Mas, se houver, quero estar por perto para reportá-la. É minha maneira, entendo, de contribuir para a sociedade", diz em Trem Para Ucrânia, que terá o seu lançamento oficial no Foyer Nobre do Theatro São Pedro, na quarta-feira (19), a partir das 19h. O livro já está disponível para compra no site da Besouro Box, na Amazon e nas livrarias.