Por Diego Petrarca
Professor e poeta
Quem reconhece a tríade Praça Comendador Souza Gomes, Igreja Nossa Senhora das Graças a Escola 3 de Outubro e já foi até o Sétimo Céu certamente irá se reconhecer nas crônicas do livro Gente do Meu Bairro, que acaba de ser lançado pela Editora Bestiário. As memórias norteiam a narrativa dessas crônicas e não se revelam apenas nas lembranças, são ensinamentos de como se observam fatos da vida com mais beleza e encantamento.
O autor comenta: “Nasci e me criei no bairro, saindo aos 22 anos para estudar fora do RS. Após voltei ao bairro e permaneci por mais 10 anos. Atualmente moro na Zona Sul, só que não no bairro Tristeza (uma lástima! Mas não desisti de voltar)”.
ACesarVeiga combina lirismo e ironia ao apresentar lugares, pessoas e histórias de um período entre as décadas de 1970 e 80 em que viveu nesse bairro onde o pôr do sol é de extrema e unânime beleza. Vale lembrar que o insólito nome é originário de um morador antigo da região, o chacareiro José da Silva Guimarães, apelidado de o “Tristeza”.
Em tom de conversa e despojamento, os textos costuram o cinema da saudade. ACésarVeiga escreve suas crônicas para que o bairro Tristeza agora seja conhecido no mundo, porque esse bairro tem seu próprio mundo aqui reconstruído.
O autor confirma que as histórias contadas são reais, descrevem situações que presenciou e garante que conviveu com todos aquelas pessoas convertidas no livro em personagens: “Todos emocionam pelo fato de oportunizar de uma forma ou outra aquela viagem mágica aos tempos da juventude”. Ele destaca um fato curioso sobre a da veracidade dos seus textos: “Certa vez um leitor questionou se as histórias eram verdadeiras; respondi: ‘O que você acha?’. Ele respondeu: ‘Sim, acho que são verdadeiras’. Confirmei dizendo que então eram verdadeiras; ao que prontamente desconfiado resmungou: ‘E se tivesse dito que achava que não eram verdadeiras?’. ‘Então não seriam!’”.
No bairro Tristeza cada esquina tem uma rima, uma brisa que afaga o pensamento e que se rebobina em nome de uma história de vida: e é exatamente assim que o livro se constrói. As crônicas são também um registro histórico da nossa Capital, a partir de um lugar que parece estar fora de Porto Alegre (noutros tempos o bairro era lugar de veraneio, graças às margens de um Guaíba ainda banhável).
Conforme o fragmento da crônica Jovens Idosos, ambientada na rua Armando Barbedo: “Lembrar o passado é como dar um grande salto para trás na nossa vida, o que pode representar tanto o nosso maior medo, quanto a nossa maior benção. E como sou da opinião que se deve saltar alto para que possa voar longe, vejam onde fui parar”.
Eu, que nasci e existi (a que será que se destina essa TrisTeresina?) mais de 20 anos no bairro onde desapareceu o Cine Gioconda, e fui ali arrebatado com delícias e dulcíssimas dores, posso ainda, quando me refiro ao bairro Tristeza, descascar amorosamente o verso: “Vão passando os anos e eu não te perdi”.
O trecho de Orlando e as Lambretas é prova da ênfase do autor em elementos típicos daquela época: “Lá pela década de 1960, na entrada do Morro do Osso – na avenida Wenceslau Escobar –, um grupo de rapazes chamava muita atenção quando se reuniam com suas Lambretas na calçada em frente à casa. Eram os irmãos Frantzeski e sua gangue, desculpem, seus amigos. (...) A Lambreta isentava o condutor de não precisar de um look extraordinário ou dinheiro para atrair uma garota encantadora. Você precisava somente ter uma Lambreta – simples assim!”.
O autor ACesarVeiga faz muito bem em ressaltar o passado, afinal, o presente anda mesmo meio turvo: “A Tristeza é um bairro indiferente a tudo o que não fazia com que a vida merecesse ser vivida.” Gente do Meu Bairro enaltece um saudosismo informativo, também é parte de uma biografia que revela a Tristeza dos bons tempos pela lente dinâmica e generosa do cronista: repleto de ser um narrador testemunha.