O Rio Grande do Sul descrito pelo escritor Erico Verissimo pode ser retratado da seguinte maneira, conforme o fotógrafo gaúcho Leonid Streliaev: cenários reais e personagens fictícios. É esse panorama visual possível de alcançar com os olhos que Streliaev busca apresentar em O Rio Grande de Erico Verissimo – Edição Especial (edição do autor, 162 páginas, R$ 180, à venda no site leonid.com.br), seu segundo livro inspirado na obra do cruz-altense ilustre. A obra teve sua primeira edição lançada em 2005, no centenário do escritor.
A nova publicação reúne 575 imagens captadas pelo Estado e que remetem a trechos da série de livros O Tempo e o Vento, cuja parte O Retrato completou 70 anos em 2021. Integram o material citações e depoimentos de personalidades. O lançamento ocorreu em 17 de dezembro, data de nascimento daquele que é um dos grandes representantes da literatura produzida por estes pagos.
Para montar a compilação, Streliaev garimpou o próprio acervo de mais de 50 anos de profissão, bem como foi em busca de novos cliques viajando sem destino pelo RS com o famoso romance de três partes a tiracolo.
— À noite, ficava relendo o livro nos hotéis e fazendo anotações para ir em busca de algo que aquilo representasse para mim. Daí, saía em busca de cenas de mau tempo, cemitérios perdidos campo afora. Outras vezes, as cenas se descortinavam para mim, e eu fazia ligação com os escritos do Erico — lembra Streliaev.
Pelotas, Rio Grande, Lavras do Sul, São Gabriel e Bagé foram algumas das paradas. O projeto começou a ser colocado em prática em 2020.
— Fiz umas seis ou sete viagens. Numa delas, parei na fazenda de uma pessoa que me conhecia para os lados de São Gabriel. Em outros, saía com meus filhos, ficávamos passeando, comendo e curtindo esse RS multifacetado. Tentei dar uma releitura que remetesse ao nosso tempo, ao presente — avalia Streliaev. — Há trechos em que Erico cita “os gringos da Serra, comedores de passarinho”. Então, mostrei a gastronomia e o setor metalmecânico da Serra. Ele mencionava muito a água, daí registrei o porto de Rio Grande. Sobre o vento, mostrei usinas eólicas, indicando que os ventos de 70 anos atrás não são os mesmos de hoje — exemplifica.
Amizade
Leonid Streliaev pegou gosto pela fotografia no fim dos anos 1960, quando jovem, acompanhando o pai ao trabalho no centro de Porto Alegre. A própria lembrança dele se revela uma narrativa imagética.
— Meu pai, um imigrante russo, tinha um escritório ali perto da Praça Parobé, quando não parava ônibus por ali. Eu gostava de ficar olhando pela janela, por isso o pai me deu um binóculo. Passei então a fitar o céu e querer ser astronauta. Depois que passou essa fase, voltei a olhar para baixo e virei fotógrafo graças a essa experiência com as lentes — recorda o fotógrafo, acrescentando que sua passagem por Zero Hora foi “uma escola”. — Em 1696 bati na porta do jornal e pedi emprego. O editor da época me deu trabalho e disse que ia me ensinar a fotografar de verdade, me colocando na então editoria de Polícia.
Pouco depois, prestando serviço para a revista Veja, Streliaev conheceu Erico Verissimo, de quem se aproximou.
— Criou-se certa amizade. Depois de uma matéria feita com o Erico que eu fotografei, ele me pediu para fazer imagens dele. Passamos uma tarde. E ele disse: “Vem me fotografar no entardecer, porque os tons do fim de tarde lembram os trigais maduros de Cruz Alta”. Até nisso ele era poético — pondera.
Streliaev recorda ainda que Erico passou a convidá-lo para visitas em casa, quando recebia convidados como Ulysses Guimarães, Paulo Brossard e Clarisse Lispector. De acordo com o fotógrafo, o anfitrião gostava de dar diversidade às suas rodas de conversa.
— Eu era o cabeludo no meio desse pessoal — diverte-se.
Recentemente, Streliaev esteve em Porto Alegre para entregar um exemplar de O Rio Grande de Erico Verissimo – Edição Especial ao também escritor e filho de Erico, Luis Fernando Verissimo. Na ocasião, o fotógrafo vislumbrou mais uma cena poética, que garante ter registrado:
— A cadeira em que o Erico sentava estava na área, sozinha. Foi bem emotivo, cheguei a chorar.