O que seria da nossa vida sem “all that jazz” da Nina Simone ou, para os mais jovens, o soul rascante de Amy Winehouse, não é mesmo? Sem o som e a fúria do oceano de paixões dilaceradas por Tim Maia ou a rouquidão dos pecados regados a uísque e cigarros de Tom Waits?
Nada seria como antes sem a trilha sonora de nossas vidas, resume o jornalista gaúcho Eduardo Rodrigues. Ele é um aficionado por jazz, blues, soul e todas as variantes da música negra, aí incluídos acordes de rock, samba e suas variáveis refinadas, como a bossa nova. Pois, em seu sexto livro, Rodrigues decidiu nos presentear com uma pequena e despretensiosa enciclopédia sobre os grandes gênios musicais que passaram pela sua vida – e pelas nossas.
Pequena, mas genial obra. Em O Mínimo Essencial – Duas ou Três Coisas que Sei e Outras que os Gênios da Música me Ensinaram, Rodrigues descreve a personalidade e a trajetória dos grandes intérpretes do cancioneiro de origem negra dos séculos 20 e 21. São 124 músicos, cantores e compositores. O diferencial é que tudo está condensado em 143 páginas.
Rodrigues, ele próprio um estudioso de música, especialmente de trompete, se impôs o desafio de biografar seus ídolos de modo minimalista. Cada um recebeu de dois a quatro parágrafos, muitos dos quais escritos de forma poética, irônica, quase como versos de um hai-kai japonês.
Sobre Cécile McLorin Salvant, cantora norte-americana da qual eu nunca tinha ouvido falar, o autor resume: “Se disser miau, Cécile terá os gatos – e o mundo – a seus pés”. Corri a olhar e ouvir Cécile. Maravilhosa, claro… Nenhuma surpresa, após a descrição precisa de Rodrigues.
Para cumprir o desafio da síntese, o autor se impôs o rigor de um artesão, esculpindo perfis com precisão cirúrgica. Como nota o crítico musical Juarez Fonseca na apresentação do livro: “Imagine o desafio de biografar Nina Simone, Charlie Parker, Miles Davis e Billie Holiday em duas ou três frases... Ele consegue!”.
Tome-se o exemplo de James Brown, o Rei do Soul, nascido em 1933 e morto em 2006. Rodrigues assim define um show: “Aos 73 anos, James soltava o que restara daquela voz infernal, pontuada por uivos, gritos e grunhidos, sem o alcance dos velhos tempos, mas alta o suficiente para fazer a voz de Lenny Kravitz parecer a de um menino do coro da Capela Sistina”.
Willie Dixon, contrabaixista e compositor falecido em 1992, é resumido nas seguintes palavras: “Peso pesado que atuou como sparring de Joe Louis, Willie Dixon abandonou o tatame e foi bater na porta da Chess Records. No ringue do blues, obteve somente vitórias por nocaute: Back Door Man, Hoochie Coochie Man e The Red Rooster, batizada posteriormente de Little Red Rooster. Ninguém atingiu sua estatura como compositor nesse gênero musical”.
Os textos vêm acompanhados do traço de Alexandre Oliveira, que criou 25 ilustrações de artistas que dispensam apresentações.
Eduardo Rodrigues conseguiu a façanha porque a música já foi tema de três outros livros seus. Com destaque para dois cujos títulos são autoexplicativos: Negras Melodias, I e II. Parte do conteúdo dessas obras está, agora conciso, incluído em O Mínimo Essencial. O autor acrescenta na parte final deste novo livro uma playlist, para desfrutar da leitura em boa companhia.