Um jovem bruxo de cabelos pretos desgrenhados, óculos redondos e uma coruja de companheira fiel. No seu destino, o potencial de ser o mago mais poderoso do mundo. Mas, no lugar de uma vassoura Firebolt ou Nimbus 2000, um skate: estamos falando de Timothy Hunter, de Os Livros da Magia, afinal.
Isto porque Harry Potter, personagem que "completa 40 anos" nesta sexta-feira (31), pode até ser o bruxo mais famoso de sua geração, mas de forma alguma é o único. Mais do que isso: Harry não é o primeiro. Muito antes de J.K. Rowling começar a publicar sua saga, em 1997, outros personagens passaram a juventude envoltos pela magia, em locais tão peculiares quanto Hogwarts.
As histórias do jovem Hunter, por exemplo, foram publicadas em uma série de quadrinhos, pela DC Comics, entre os anos 1990 e 1991. Escrita por Neil Gaiman, a trama ganhou vida nos traços de John Bolton, Charles Vess, Scott Hampton e Paul Johnson. Enquanto muitos acusaram Rowling de plágio — em função das grandes similaridades entre os personagens e as tramas — Gaiman foi muito mais brando.
— Tudo que os personagens realmente têm em comum são coisas tão superficiais e incrivelmente óbvias que, se ela tivesse realmente plagiado, eram as coisas que seriam as primeiras a serem mudadas. Mude a cor do cabelo de castanho para loiro, tire os óculos; você sabe, esse tipo de coisa — afirmou em entrevista a January Magazine, publicada em 2001.
O escritor, famoso por seu trabalho em Sandman, ainda foi além, afirmando que os dois simplesmente roubaram o mesmo autor: T.H. White (1906 - 1964). Ele escreveu O Único e Eterno Rei, publicado em 1958, sobre as aventuras de Arthur, em sua jornada rumo ao trono, aconselhado por um Merlin muito similar a Dumbledore. Gaiman não foi o único a traçar esse paralelo.
Ursula K. Le Guin (1929 - 2018), uma das mais famosas escritoras de ficção científica e fantasia da história, se aventurou no mundo da magia ainda em 1968 com O Feiticeiro de Terramar. Clássico da literatura fantástica, o romance de formação segue as aventuras de Ged, jovem mago órfão de mãe que é enviado para uma escola de magia para aprender a controlar seus poderes.
As comparações com Harry Potter foram tantas e tão frequentes que, em 2010, mais de 40 anos após a publicação de seu livro, Le Guin citou o caso em uma publicação de seu blog intitulada Arte, informação, roubo e confusão (parte dois): "Eu não inventei o conceito de escola de magia — se alguém o fez foi T.H. White, embora ele tenha feito isso em uma única linha despretensiosa e não o tenha desenvolvido a ideia. Eu fui a primeira a fazer isso”, escreveu. “Anos depois, Rowling pegou a ideia e a desenvolveu de outras formas. Ela não plagiou. Ela não copiou nada. Seu livro, de fato, dificilmente poderia ser mais diferente do meu, em estilo, espírito, tudo”.
Apesar de isentar a criadora de Potter de plágio, Le Guin teve outras críticas a Rowling, por nunca ter destacado o legado de literatura fantástica que criou o ambiente necessário para uma obra como a sua. “A única coisa que me irrita é a aparente relutância dela em admitir que aprendeu qualquer coisa com outros escritores. Quando críticos ignorantes elogiaram sua maravilhosa originalidade ao inventar a ideia de uma escola de bruxos, e alguns deles pareciam acreditar que ela havia inventado a fantasia em si, ela os deixou. Acho que isso não foi generoso e, a longo prazo, imprudente”.
Enquanto a maioria dos autores de fantasia, como George R.R. Martin e Patrick Rothfuss, reverencia J.R.R. Tolkien, por exemplo, Rowling primeiro teria afirmado que nunca leu O Senhor dos Anéis até o fim, depois contestou dizendo que lera em sua juventude. Em entrevista a BBC, a escritora de Harry Potter chegou a afirmar que "não tinha ideia" de onde suas ideias surgiam.
— A pergunta mais frequente que você recebe como autora é: "De onde você tira suas ideias?". Acho isso muito frustrante porque, falando pessoalmente, não tenho a menor ideia de onde minhas ideias vêm ou como minha imaginação funciona.
E tem mais
Outro bruxinho à solta na literatura é Henry "Thornmallow", enviado por sua mãe para a escola de magia Wizard's Hall (o Salão dos Magos, em tradução livre), de onde sai o título para o livro de Jane Yolen, publicado em 1991. Ali, o garoto encontra "um mundo acadêmico de maravilhas onde as pinturas falam, as paredes se movem, os monstros se tornam reais e absolutamente tudo pode acontecer", que não poderia soar mais como Hogwarts se tivesse sido escrito pela própria Rowling.
Apesar de suas trapalhadas constantes, cabe a Henry o papel de salvar a escola mágica, por causa de uma misteriosa profecia. Mas tudo bem, porque ele conta com a ajuda de dois grandes amigos:
— Por acaso, tenho um herói cujo nome era Henry, não Harry. Ele também tinha um melhor amigo ruivo e uma garota que também era sua melhor amiga, embora minha garota fosse negra, não branca — comentou Jane no podcast Geek’s Guide to the Galaxy, da Wired, em 2013 — Nós duas estávamos usando apenas "tropos da fantasia" (clichês).
Em entrevista ao Newsweek, ainda em 2005, a escritora teve uma visão mais afiada. Ela afirmou que havia lido apenas os três primeiros livros de Harry Potter, mas decidiu parar a leitura porque os achou "muito mal escritos". Além disso, comentou as inacreditáveis coincidências com sua obra.
— Há uma quantidade enorme Wizard's Hall nos livros de Harry Potter. Eu sempre digo às pessoas que, se a Sra. Rowling me escrevesse um cheque muito grande, eu aceitaria.
Outras "coincidências"
- O Segredo da Plataforma 13 (1994), de Eva Ibbotson, acompanha as aventuras de um menino do mundo mágico criado no mundo normal (dos trouxas?); a ligação entre os dois mundos está escondida, justamente, na estação King's Cross, de Londres, assim como em Harry Potter.
- Groosham Grange (1988), de Anthony Horowitz, mostra as aventuras de David Eliot, um garoto de 12 anos odiado pelos pais e que recebe uma carta o convidando para um misterioso internato; já no trem até o local, "um prédio antigo sinistro", ele faz dois amigos que começam a questionar com ele para que tipo de escola estão sendo enviados (spoiler: é apenas mais uma escola de magia).
- Discworld (1983–2015), de Terry Pratchett, também possui uma escola de magia (a Universidade Invisível), com brasão de armas e lema em latim; as semelhanças foram o suficiente para que algumas pessoas perguntarem ao autor se ele havia se inspirado pela obra de Rowling. Com a publicação dos primeiros livros da série muito antes de Harry Potter, Pratchett admitiu o plágio: “Usei uma máquina do tempo”.