Edições revistas e atualizadas costumam ser comuns na não ficção, quando um autor volta a uma obra depois de alguns anos e analisa novos fatos decorridos desde a primeira edição. A premiada escritora goiana Maria José Silveira estará na Praça da Alfândega nesta quinta-feira (7) para conversar e assinar uma ficção revista e atualizada: sua obra de estreia A Mãe da Mãe de Sua Mãe e Suas Filhas (Globo, 304 páginas). A autora fala sobre o livro às 18h30min, na sala O Retrato do Centro Cultura CEEE Erico Verissimo (Rua dos Andradas, 1.223), com mediação de Lélia Almeida. Às 19h30min, autografa a obra na praça.
Lançado originalmente em 2002, o livro é um romance histórico que acompanha a história do Brasil pelo olhar de duas dezenas de mulheres, uma a cada geração a partir da indígena Inaiá, nascida no ano da chegada dos portugueses ao Brasil. Como pano de fundo, a escravização dos índios e dos negros, a exploração do território, a marcha insana da industrialização, as constantes erupções de regimes de exceção e de políticas autoritárias, e o impacto dessa história na vida dessas mulheres. A publicação rendeu à autora o Prêmio Revelação da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
— O romance teve a sorte de contar uma história que as pessoas queriam ver contada. Nem sempre acontece — comenta a escritora, por e-mail.
A nova edição, além de alterações no texto, traz um novo capítulo pelo ponto de vista de uma nova personagem abarcando as primeiras duas décadas do século 20.
— Quem dera eu pudesse viver para escrever pelo menos sobre a geração seguinte. A dos meus netos menores. Eu adoraria. Mas só se pudesse escrever sobre um tempo bem melhor que o atual.
Leia a entrevista na íntegra:
O lançamento original de A mãe da mãe de sua mãe e suas filhas já tem quase duas décadas. Como vê a trajetória do livro ao longo desse tempo, que inclui prêmios e a recente boa repercussão de uma edição em inglês?
Esse é um romance que só tem me dado alegrias. Desde seu lançamento, em 2002, quando recebi o Prêmio Revelação da APCA. Ele recebeu resenhas excelentes e várias reimpressões, seus direitos para serialização foram comprados pela TV Globo (o que, por razões alheias, não chegou a ser concretizado), e foi adotado, lido e discutido em várias escolas e faculdades. Recentemente, as publicações em outros países também foram muito bem recebidas. Quando tudo isso acontece, creio, é porque o romance teve a sorte de contar uma história que as pessoas queriam ver contada. Nem sempre acontece.
Seu livro narra uma história contínua de sobrevivência e resistência que se repete a cada nova geração de mulheres. Seu relançamento agora se dá em um momento político e social bem diverso da primeira edição. Como vê a situação das mulheres nesses dois momentos?
Nesses séculos, claro, muita coisa mudou. As mulheres conquistaram direitos muito difíceis de serem retirados, como estudar, ter uma profissão, votar, por exemplo. Mas é uma luta que ainda tem muito chão para andar. Na questão dos salários, das profissões e até no caso da literatura, para dar um pequeno exemplo. Três anos atrás, as escritoras Maria Valéria Rezende e Susana Ventura, com um pequeno grupo, começaram a organizar o Mulherio das Letras cuja proposta, entre outras, era justamente enfrentar o problema da invisibilidade das mulheres escritoras. O que ninguém poderia suspeitar é que mais de cinco mil mulheres apareceriam para se unir ao movimento. Mais de cinco mulheres escritoras no Brasil, imagine! Por outro lado, agora, neste momento específico que estamos vivendo, em muitos outros aspectos não posso dizer que a situação esteja melhor. Inclusive pela violência que aumentou, e é assustadora. As mulheres são agredidas, estupradas, assassinadas, de um modo que não podemos suportar. Pelas estatísticas recentes, uma mulher é assassinada a cada duas horas em nosso país. Até quando isso?
Além de acréscimos e supressões, a nova edição do livro inclui um capítulo acrescentando uma 21ª personagem nascida por volta da época em que o livro foi lançado e acompanhando sua vida até a última eleição presidencial. Dada a própria estrutura de seu livro, pretende repetir periodicamente essa experiência de retomar a obra e "atualizá-la" com um personagem que ofereça um novo olhar aos anos anteriores?
Quem dera eu pudesse viver para escrever pelo menos sobre a geração seguinte. A dos meus netos menores. Eu adoraria. Mas só se pudesse escrever sobre um tempo bem melhor que o atual.
Fala-se que o romance histórico de fôlego épico passa por um período de baixa no Brasil, mas este século 21 viu o lançamento de livros como o seu ou Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, que não fogem desse desafio de encarar um longo intervalo temporal, ainda que mudem o foco para sujeitos e personagens normalmente deixados à margem. Escrever a história é também disputá-la?
Ótima maneira de colocar o que é escrever a história, essa sua. E é exatamente assim também nos livros de ficção. Escrever é uma eterna disputa de visões pois a História é feita de conflitos, transformações. Além disso, é a partir do presente que se escreve o passado. Da maneira como o contemporâneo, sempre contraditório, entende como é que viemos parar aqui e o que está acontecendo conosco agora. Esse também é um dos motivos pelo qual não há uma História única, uma "verdade" escrita com tinta indelével. E o olhar dos escritores é formado pela contemporaneidade na qual estão inseridos. Cada um escreve a partir de sua visão, formada pelas contradições que vive e viveu. E é esse o nosso mundo: em constantes disputas e transformações.