Ao ler a reportagem de GaúchaZH sobre o dia em que o estivador aposentado e guardador de carros João Carlos dos Santos, 70 anos, visitou a 65ª Feira do Livro, na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, e comprou uma obra pela primeira vez, Ana Cecília Romeu não conteve a emoção. O livro escolhido por Santos era um dos escritos por ela.
Junto com o grupo do Programa de Alfabetização de Adultos do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), do qual faz parte há um ano, Santos foi à Feira na tarde de terça-feira (5). A reportagem foi publicada em GaúchaZH e na edição de Zero Hora desta quarta (6).
Na mesma hora da leitura, Ana Cecília deixou uma mensagem na própria reportagem online: "Estou emocionada e feliz que João Carlos escolheu o livro que escrevi, Janela da Poesia, como um de seus primeiros livros! Já faço com o livro uma dinâmica com crianças; vou preparar uma para adultos! Obrigada, João, espero que goste do livro!".
Nesta quarta-feira, ela, que é publicitária, arquiteta, artista plástica e escritora, moradora de Viamão, contatou as professoras do CIEE para planejar um encontro com o novo leitor. A meta é organizar ainda neste ano uma oficina que envolverá Santos e os demais alunos do Programa. A ideia foi aprovada pela equipe, resta apenas encontrarem uma data.
À reportagem, Ana Cecília revelou ter lido a notícia e não conteve o choro ao ver que o livro dela era o primeiro da vida de Santos.
— Este livro foi direcionado para crianças de até o quarto ano do Ensino Fundamental. Saber que ele também chegou a adultos que estão descobrindo o mundo das letras me ajuda muito. É como se eu partisse para ser uma escritora melhor. Agora, quero também trabalhar com adultos que estão se alfabetizando — disse, emocionada.
Por meio da reportagem, ela deixou uma mensagem a Santos e aos demais estudantes:
— Leiam muito! A leitura faz a gente pensar, sonhar e nos dá uma vida nova! Ficamos mais espertos, teremos mais assuntos. É um mundo que se abre, Seu João. Estou muito orgulhosa do senhor. Em breve, vamos nos conhecer e aprenderei muito com vocês.
Animado com a repercussão da reportagem, Santos não conteve a surpresa ao saber pela repórter a nova notícia:
— Eu estava gastando umas letras aqui, começando a ler A Lagoa Azul, e você me dá mais esta emoção! Que honra será conversar com a escritora! — comentou Santos.
Até 2018, o aposentado não sabia ler o próprio nome. Na infância, desistiu dos estudos na 1ª série do Ensino Fundamental para ajudar a mãe, Inês, recém viúva, no sustento da família. Antes dos 10, já trabalhava na construção civil. Ele nunca deixou de querer voltar a estudar. No ano passado, ao comentar o fato com um cliente do estacionamento do Mercado Público (local onde cuida de carros aos sábados e domingos), foi incentivado por ele a procurar as aulas gratuitas do CIEE. Do cliente, de quem ele não sabe o nome, ainda ganhou cadernos, caneta e lápis. Desde então, Santos nunca mais parou de estudar.