— Pô, corre lá na fila, ainda dá tempo de pegar mais um — dizia Josiane Lopes, 35 anos, com nove livros na mão.
A secretária chegou cedo à Bienal do Livro do Rio de Janeiro neste sábado (7), acompanhada de seus três sobrinhos. E, quando descobriu que uma distribuição de livros com temática LGBT+ estava marcada para o meio-dia, ela e as crianças passaram várias vezes na fila para receber os títulos.
A entrega gratuita das obras durou duas horas. Foi iniciativa do youtuber Felipe Neto como resposta à tentativa de censura do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, à Bienal. Em vídeo, Crivella exibiu uma HQ com beijo gay vendida no evento e ameaçou recolher os exemplares ou lacrar os livros.
Nesta sexta, fiscais da prefeitura chegaram a visitar a feira para buscar obras com conteúdo considerado impróprio para menores de idade, o que gerou reações de editoras, da organização do evento e do Tribunal de Justiça (TJ), que concedeu liminar impedindo que a prefeitura recolhesse os livros. Neste sábado, o prefeito Crivella recorreu junto ao TJ fluminense e conseguiu liminar que manda recolher obras com "conteúdo impróprio".
Foi após a polêmica que Felipe Neto anunciou que compraria 10 mil obras com personagens ou temas LGBT+ para distribuir gratuitamente na Bienal. No fim, aumentou esse número para mais de 14 mil exemplares — todos entregues lacrados, em resposta à exigência de Crivella. A seguinte mensagem foi escrita em cada embalagem: "Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas. Felipe Neto agradece a sua luta pelo amor, pela inclusão e pela diversidade".
O anúncio das doações poderia gerar um tumulto sem fim, mas a distribuição ocorreu sem maiores problemas. Os livros empacotados foram colocados no centro de uma praça no Rio Centro, onde acontece a Bienal, e duas filas foram formadas para as pessoas receberem os exemplares. O tempo de espera não passava de 10 minutos.
Como os livros entregues eram voltados ao público juvenil, a maior parte da fila foi formada por adolescentes. Alguns deles seguravam bandeira do orgulho LGBT+ ou vestiam acessórios com as cores do arco-íris.
O pouco tempo de espera na fila fez com que muitos visitantes conseguissem pegar mais de um exemplar. Com isso, a praça da Bienal virou uma espécie de mercado de escambo, com pessoas trocando livros repetidos como se trocassem figurinhas.
Para trocar, bastava levantar o livro do qual gostaria de se desfazer. Em pouco tempo aparecia alguém com alguma proposta. Josiane, a tia que visitou o evento com os três sobrinhos, era uma dessas pessoas com livro levantado. Queria trocar o repetido Ninguém Nasce Herói, de Eric Novello, por algum título da Thalita Rebouças.
— O prefeito pode não gostar de gays, mas não pode impedir nenhum livro. Deus quer que as pessoas sejam felizes — disse.