Por Bolívar Torres
Agência O Globo
Esforço de seis anos de pesquisa, o primeiro volume de Roberto Marinho – O Poder Está no Ar reconstrói os primeiros 65 anos de vida do jornalista e empresário. Ainda não há previsão de lançamento para o segundo volume. Baseado em documentos de arquivos e entrevistas com mais de cem pessoas, o jornalista Leonencio Nossa compôs uma biografia independente, buscando rigor jornalístico. Sem acreditar em “biografia definitiva”, o autor conta, nesta entrevista, que tentou trabalhar com o máximo de informações, versões e visões sobre a trajetória de Marinho.
Como se deu a pesquisa?
Havia muitos documentos inéditos. Antes de buscar o acervo familiar, tentei me informar mais sobre os personagens, para saber melhor o que eu deveria procurar. Como se trata de um personagem dessa dimensão, o arquivo é um mundo, abrange todo um grupo.
Qual foi sua abordagem do biografado?
Não acredito em biografia definitiva, seja do personagem mais simples ou do mais complexo, como é o Roberto Marinho. Para construir o mosaico, não basta ter informações dos arquivos pessoais e depoimentos de adversários, é preciso complementar com a memória familiar, batendo ou não com outros documentos. A memória privada é importante na química da construção do personagem. Busquei uma opção mais jornalística, trabalhando com o máximo de versões, para que o leitor pudesse chegar à sua própria interpretação. É mais jornalismo do que uma biografia tradicional.
Por que esse recorte, que vai até a criação do Jornal Nacional?
A primeira parte vai até o Jornal Nacional porque ali acho que ele se torna aquele Roberto Marinho que minha geração conhece, o cara mais influente da mídia brasileira. É quando ele se transforma no mais influente dos barões da mídia, e, a partir dali, é outro Roberto Marinho, a Globo começa a crescer e se tornar hegemônica.
O livro mostra esse Roberto Marinho menos conhecido. O que mais lhe surpreendeu na pesquisa?
A ligação dele com samba na juventude. Ele era um emergente se formando em um Rio que começava a se dividir em Zona Sul e Norte, e ele se forma com esse pé em um mundo mais popular. Ele vivia todo aquele universo que era do Irineu Marinho, seja os italianos que distribuíam os jornais da região da Lapa, seja os sambistas do Estácio. Aquele era o mundo familiar, era o mundo possível, em que ele tinha de tocar o negócio dele. Ele absorveu muito a influência do pai, uma figura muito solar na vida dele.
A impressão é a que Irineu Marinho, também retratado na primeira parte do livro, merecia uma biografia só dele...
Na minha avaliação, Irineu é um inovador do processo do modo de produção. Ele não aparece nos livros de história da imprensa, talvez porque seu produto não era feito para um grupo social mais constituído, mais forte. Ele inova ao fazer um jornal com o Rio como um grande tema. E também na questão das parcerias. Enquanto os outros jornais eram focados nos grandes políticos e juristas, ele vai atrás de balonistas, aviadores, cinematógrafos e o pessoal do samba. Ia atrás do patrocínio do comércio mais varejista, que não costumava anunciar nos grandes jornais.
O que você destacaria no Roberto Marinho jornalista?
Se eu fosse situá-lo, seria como pauteiro, esse ofício tão importante que anda em baixa por causa dos enxugamentos das redações. Ele saía atrás de histórias e as trazia para o jornal. E nunca perdeu esse hábito, mesmo quando já era dono de um império.
As origens negras de Roberto Marinho são um elemento central na obra. Como a questão racial afetou sua vida?
Eu já conhecia um pouco a questão, o Pedro Bial toca nesse assunto em seu livro (Roberto Marinho, lançado pela editora Zahar em 2004), mas quando comecei a ver os ataques dos jornais usando a cor da pele para atingir Irineu Marinho, percebi que ele tinha que ser trazido para discutir o personagem como um todo. Quando o Roberto se torna um personagem muito forte, poderoso e influente, há um questionamento grande em relação a essa questão. Questionam por que a Globo colocava tantos artistas negros, por que Roberto usava pó no rosto? Nos relatos das pessoas que conviveram com Roberto Marinho, essa questão aparece como algo latente na vida dele. E o racismo é um dos maiores problemas do país. Se você pensar que um homem com essa influência toda se sentia incomodado, imagina para a maioria da população.
Como a Globo revolucionou os costumes do país?
Antes dela, você não tinha tanta integração entre as regiões do Brasil. A TV traz os costumes do Rio para os lugares mais distantes da Amazônia. Essa aproximação de brasis teve um impacto muito grande. Mas a análise do que essa integração representou estará numa segunda fase do trabalho. O livro chega até 1969, quando começa a engatinhar esse modelo de rede.
O livro
Roberto Marinho – O Poder Está no Ar (Nova Fronteira, 576 páginas, R$ 50, em média) tem neste primeiro volume o subtítulo Do Nascimento ao Jornal Nacional. “É quando (no início do telejornal, em 1969) ele se transforma no mais influente dos barões de mídia”, diz o autor, justificando a divisão da biografia em duas partes. “A partir dali, é outro Roberto Marinho”, sublinha Leonencio Nossa. O livro também está disponível em versão e-book (R$ 26, em média).