Por André Miranda
Agência O Globo
Em março de 1940, a polícia invadiu O Estado de S. Paulo, alegando que o jornal articulava para derrubar Getúlio Vargas. O Brasil vivia a ditadura do Estado Novo, e a censura era comum. Após a invasão, foi convocada uma reunião do Conselho Nacional de Imprensa (CNI), em que o governo sugeria uma intervenção no Estadão e queria o apoio dos representantes de classe. A Associação Brasileira de Imprensa e o Sindicato dos Jornalistas votaram com o governo. Mas não Roberto Marinho. O varguista Lourival Fontes, que controlava o CNI, argumentou:
– O conselho vai aprovar, é melhor que seja por unanimidade. Vai ficar ruim você ser derrotado.
Roberto Marinho respondeu:
– Prefiro ser derrotado. Não vou concordar com esse absurdo.
Naquela ocasião, o jornal dirigido por Marinho, O Globo, não era o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro mais importante do país. Mas ele parecia saber onde iria chegar. O primeiro dos dois volumes de sua biografia, Roberto Marinho – O Poder Está no Ar, escrito pelo jornalista Leonencio Nossa e que acaba de ser lançado pela editora Nova Fronteira, mostra décadas da História do Brasil pelo olhar de Marinho, destacando a influência política de quem dialogava com todos os lados, mas evitava radicalismos.
O período coberto por esse primeiro volume vai até 1969, quando foi lançado o Jornal Nacional. No início, o livro mostra como Irineu Marinho, um jornalista ilustre do Rio de Janeiro, fundou O Globo, em 29 de julho de 1925. O diretor do novo jornal, contudo, morreu 21 dias após a inauguração, deixando para Roberto, o filho mais velho, a tarefa de ser o “homem da casa” e de cuidar dos negócios. Isso tudo se não fossem dois pequenos empecilhos: Marinho tinha 20 anos quando o pai morreu, e a redação do jornal nunca aceitaria seu comando; além do que, com tal idade, havia um desejo compreensível por boêmia. Pelo bem de O Globo e da juventude do rapaz, o comando do jornal foi entregue, portanto, ao baiano Eurycles de Mattos, antigo companheiro de Irineu.
Marinho interessou-se pelo jornal aos poucos. Enquanto isso, como relata o livro, curtia a cidade. Frequentava sambas e fez amizade com Sinhô. Também namorava, e não era pouco.
Apenas em 1931, após a morte de Eurycles, Marinho, aos 26 anos, assumiu completamente o comando da redação. Era um momento conturbado da História, o primeiro dos muitos que ele acompanharia num assento privilegiado. Getúlio, por quem naquele momento Marinho nutria simpatia, havia assumido o poder no golpe da Revolução de 1930. Dali em diante, as relações de Marinho com políticos sempre foram ambíguas.
Leonencio foi minucioso em analisar editoriais e manchetes de O Globo para, assim, compreender a cabeça de seu diretor. João Goulart, o presidente deposto pelo golpe militar de 1964, por exemplo, tinha o apreço pessoal de Roberto Marinho, apesar de o jornal criticar aspectos do seu governo.
O problema, para o jornalista, era o extremismo: ele combatera em igual medida o comunismo e o fascismo. Mas poupou Goulart. “O presidente foi tratado como um defensor da ‘liberdade’ e da ‘democracia’, mas, ao mesmo tempo, tornava-se, sob o ângulo do jornal de Marinho, uma figura menor no debate sobre a ‘ameaça’ comunista”, escreve Leonencio.
A biografia também aborda casos controversos na trajetória de Marinho, como o acordo da TV Globo com o grupo americano Time-Life, que levou a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e acabou encerrado em 1971.
Trata, ainda, da atuação do que Leonencio chama de lobistas: eram nomes como o poeta Augusto Schmidt e o advogado Herbert Moses, que atuaram junto a políticos e empresários pelos interesses das empresas de Marinho – na sequência de O Globo vieram histórias em quadrinhos, revistas, a rádio e a TV.
Ao final deste primeiro volume de sua biografia, Leonencio conclui: “A matemática não define o perfil democrático ou ideológico de Marinho. No emaranhado de paradoxos, ele mostrou coerência, em todos esses momentos, ao defender sua empresa”.
O livro
Roberto Marinho – O Poder Está no Ar (Nova Fronteira, 576 páginas, R$ 50, em média) tem neste primeiro volume o subtítulo Do Nascimento ao Jornal Nacional. “É quando (no início do telejornal, em 1969) ele se transforma no mais influente dos barões de mídia”, diz o autor, justificando a divisão da biografia em duas partes. “A partir dali, é outro Roberto Marinho”, sublinha Leonencio Nossa. O livro também está disponível em versão e-book (R$ 26, em média).