Entre todos os animais maltratados sobre a face da Terra, Marsha, uma ursa-parda removida de seu lar na Sibéria para servir de atração em um circo brasileiro, talvez tenha dado sorte: chamou a atenção de personalidades nacionais e virou tema do novo livro infantil de Rita Lee, Amiga Ursa: Uma História Triste, mas com Final Feliz, lançado pela editora Globo Livros (46 páginas, preço médio R$ 47).
Isso se for correto dizer que Marsha teve sorte. Alvo do tráfico ilegal de animais junto de outros três ursos, possivelmente seus irmãos, ela foi retirada de seu hábitat gelado e obrigada a viver sob as altas temperaturas de um país tropical. Marsha passou 20 anos circulando pelo Brasil em contêineres, de onde saía para se equilibrar em skate, moto e patinete, transformando seu sofrimento em números no picadeiro. Depois de se apresentar, voltava para uma jaula estreita demais para seu tamanho, onde era alimentada à base de ração de cachorro.
Mais ligada à causa animal à medida que aprofundou sua reclusão da vida artística, Rita, 71 anos, teve em Marsha a inspiração para retomar seu diálogo ambiental com as crianças — a cantora e compositora é criadora do ratinho Alex, defensor de todas as formas de vida, que virou personagem de quatro livros da roqueira nos anos 1980. Ela conheceu a história de Marsha quando a ursa já havia sido retirada do circo e passava calor em um zoológico no Piauí — em meio a um abaixo-assinado por seu resgate, Marsha era apresentada na internet como “a ursa mais triste do mundo”.
Com ilustrações de Guilherme Francini, Rita retrata o rapto de Marsha e seus dias infernais no Brasil, além do aliviante desfecho que mostra a ursa vivendo no santuário Rancho dos Gnomos, no interior de São Paulo. Rita apresenta duas aliadas na causa que mudou o destino de Marsha, rebatizada de Rowena para se livrar dos resquícios de sofrimento: Luisa Mell e a estrela francesa Brigitte Bardot, notórias defensoras dos animais.
— Fiquei em contato com Luisa Mell, acompanhando de longe o difícil translado de Rowena de Teresina para o Rancho dos Gnomos, onde ela mora hoje com boa alimentação e cuidados médicos – diz Rita em entrevista a ZH, por e-mail. – Não poderia estar em lugar melhor: espaçoso, com uma gruta, piscina e abrigo interno. Cheguei bem pertinho dela e lhe dei suco de frutas. Ela também lambeu minha mão com sua língua quente e macia quando lhe ofereci bolachas com mel, foi muito emocionante para mim.
Dedicação
Para falar com os pequenos de um assunto sério, a cantora não deixa de abordar o caráter mais sombrio dos seres humanos:
— As crianças de hoje gostam de histórias verdadeiras. E a história de Rowena não é um conto de fadas. Acho bom que desde cedo a criançada aprenda que os seres humanos maltratam bichos apenas por entretenimento.
Sobre seu envolvimento com a causa animal, Rita destaca:
Acho bom que desde cedo a criançada aprenda como os humanos maltratam bichos apenas por entretenimento.
RITA LEE
— Quem faz esse trabalho de resgate é Luisa Mell, que briga com os poderosos que usam bichos para ganhar grana. Estive no instituto dela e pude ver a limpeza e dedicação com que são tratados os bichos que recolhe. Luisa é nossa Bardot tropical. Além de meus bichos, sempre pego gatos e cachorros abandonados e arrumo um lar. Desde pequena fazia isso naturalmente. Escondia gatos de rua em casa e, nos anos 1970, adotei jaguatiricas vítimas de maus-tratos e por aí vai. Já faz um tempo que me correspondo com papisa Bibi (Bardot). Ela acompanhou e torceu para que o resgate de Rowena desse certo.
A atenção que o tema recebe no país preocupa Rita:
— O Brasil vive uma espécie de Idade Média no que se refere ao respeito animal. Basta ver que até hoje existem rodeios, vaquejadas, farras do boi, rinhas de galo e de cachorro, contrabando de bichos exóticos, circos e zoológicos e outros tantos eventos que exploram e humilham animais na frente de crianças. Sem contar a brutalidade que acontece em aviários, abatedouros, criadores que só visam ao lucro e tratam bichos como objetos de uso pessoal.
Confira a entrevista que GaúchaZH realizou por e-mail com Rita Lee:
De que forma conheceu a história da ursa mais triste do mundo?
Fiquei em contato com Luisa Mell, acompanhando de longe o difícil translado de Rowena de Teresina para o Rancho dos Gnomos, em São Paulo, onde ela mora hoje com boa alimentação e cuidados médicos.
Como você visitou Marsha, agora Rowena? Como foi sua interação com a ursa e em que estado a encontrou?
Rowena não poderia estar em lugar melhor: espaçoso, todo gramado, com uma gruta, piscina e abrigo interno. Cheguei bem pertinho dela e lhe dei suco de frutas, ela também lambeu minha mão com sua língua quente e macia quando lhe ofereci bolachas com mel. Foi muito emocionante para mim.
Em que medida sua experiência como avó a levou a escrever a obra?
Como mãe, eu sempre inventava histórias para meus meninos quando pequenos. Com minha neta, hoje adolescente, acontecia o mesmo. Meu neto Arthur, ainda de fralda, não tem idade para se interessar por livros e histórias contadas.
Você tomou algum cuidado para que a temática não soasse pesada ou triste demais?
As crianças de hoje gostam de histórias verdadeiras. E a história de Rowena não é um conto de fadas. Acho bom que desde cedo a criançada aprenda como os humanos maltratam bichos apenas por entretenimento.
Luisa Mell contribuiu com o resgate da ursa, mas no livro você também coloca Brigitte Bardot como uma "bruxinha" colaboradora. Ela teve algum papel no caso real? Qual é sua relação com Bardot?
Já faz um tempo que me correspondo diretamente com papisa Bibi, ela também acompanhou e torceu para que o resgate de Rowena desse certo. Já traduzimos o texto do livrinho para o francês e logo mais estará em suas mãos.
Fale mais sobre seu envolvimento com a causa animal. Quais são os outros casos de resgate nos quais já se envolveu?
Hoje, quem faz esse trabalho de resgate é Luisa Mell, que peita briga com os poderosos que usam bichos para ganhar grana. Estive no instituto dela e pude ver a limpeza e dedicação com que são tratados os bichos que ela recolhe. Luisa é nossa Bardot tropical. De minha parte, além de meus bichos, sempre pego gatos e cachorros abandonados e arrumo um lar. E desde pequena fazia isso naturalmente: escondia gatos de ruas em casa, nos anos 70 adotei jaguatiricas vítimas de maus-tratos e por aí vai.
Questões ligadas ao meio ambiente, incluindo a preservação de animais ameaçados de extinção ou submetidos a maus tratos, estão em permanente discussão. Como você ache que esta questão está sendo tratada no Brasil em particular?
O Brasil vive uma espécie de Idade Média no que se refere ao respeito animal, basta ver que até hoje existem rodeios, vaquejadas, farras do boi, rinhas de galo e de cachorro, contrabando de bichos exóticos, circos e zoológicos e outros tantos eventos que exploram e humilham animais na frente de crianças. Sem contar a brutalidade que acontece em aviários, abatedouros, criadores que só visam lucro e tratam bichos como objetos de uso pessoal.
Você foi uma entusiasta e usuária de primeira hora da revolução da comunicação trazida pela internet. Como avalia a transformação da internet do fascínio inicial como “janela para o mundo” até a virulência da redes sociais e as fake news? Qual sua relação com a internet hoje?
Hoje uso a internet com moderação, já fui bem mais viciada. As pessoas se transformam cada vez mais em cyborgs e vejo como um traço interessante dessa geração que já nasce com um iPhone a tiracolo. O efeito colateral disso ainda pouco se sabe: um não aprofundamento em assuntos não virtuais e pescoço de girafa são dois deles.
Sua autobiografia foi muito bem recebida por fás e críticos. Está no seu horizonte levar sua história para o cinema ou para um musical no teatro, a exemplo de Elis Regina, Tim Maia e outros artistas?
Escrevi a biografia como uma terapia, exorcizando as bad trips e exortando as boas. Nunca pensei que fosse fazer tanto sucesso. E, sim, estamos trocando figurinhas com a produtora Bionica, que pretende levar minha vida para a telona baseada na biografia. Temos feito reuniões e vamos torcer para que tudo saia bonito.