Livros não chegam a ser prioridade no orçamento dos brasileiros. Basta olhar os números: 30% da população jamais comprou um exemplar, e 44% não mantém qualquer hábito de leitura – são dados do Instituto Pró-Livro divulgados em 2018.
É um quadro nada estimulante para quem pretende manter uma loja baseada na venda desses artigos, agravado pela crise econômica e pela crescente adesão dos consumidores às compras pela internet.
No Rio Grande do Sul, pequenas livrarias resistem, apesar do cenário pouco animador, que tem colocado até grandes redes em dificuldades. O segredo por trás do sucesso desses livreiros é oferecer aos clientes experiências que vão além da leitura, cumprindo algumas vezes o papel de fazer desses espaços um centro cultural.
Nem só de livros pode viver uma livraria, mesmo aquelas que não vendem nada além de... livros. É o caso da Manas, que se mantém há 25 anos em Igrejinha. No local, não há ambientes que costumam atrair clientes, como cafeteria ou sala de jogos, e o catálogo não contempla artigos de bazar ou papelaria.
– No Interior, muitas lojas que se intitulam livrarias são, na verdade, papelarias com uma pequena seção de livros. Nós fizemos o caminho inverso. Ao abrir, tínhamos uma pequena seção com cadernos e outros artigos, mas logo a excluímos – orgulha-se a proprietária Narete Santos.
Narete não tem cafeteria, mas está sempre com um chimarrão pronto à espera dos clientes. Além de propiciar um ambiente acolhedor, também se preocupa em promover eventos para integrar os frequentadores da loja, envolvendo e fidelizando o público – até mesmo passeios fora da cidade são estimulados.
Essa fórmula que mistura bom atendimento aliado a uma agenda movimentada é repetida pela maior parte dos pequenos livreiros da Capital e do Interior. Foi com essa recita que Daniela Goncalves Kliemann consolidou a Athena, loja que há 10 anos se resumia a uma pequena revistaria, mas agora é um dos espaços literários mais movimentados de Santa Maria, contando até com uma filial em shopping.
– A Athena ficou muito conhecida por causa dos eventos. Desde o início, fazemos lançamentos e debates, mas também foram importantes os pocket shows, reuniões musicais com temática sempre voltada à literatura. Era um modo de fazer as pessoas entrarem e conhecerem a loja – lembra Daniela.
Em Porto Alegre, a mais nova iniciativa na área abrirá com uma ideia parecida em mente. A PocketStore, iniciativa de Ivan Pinheiro Machado e Paulo Lima, sócios na editora L&PM, será inaugurada até o final do mês, em um espaço de 70 m² no bairro Moinhos de Vento.
– Pela sua excelente localização, a livraria estará também disponível para lançamentos e autógrafos de livros de outras editoras, além da L&PM – explica Ivan.
O editor, e agora livreiro, também aposta em um acervo original e qualificado para atrair o público:
– A ideia da livraria é criar, num espaço limitado, um local focado na boa literatura. Além de autores importantes e fundamentais, nacionais e internacionais, haverá um local privilegiado para a literatura produzida aqui no Rio Grande do Sul.
Na contramão das megastores
Montar um acervo especializado, com uma identidade forte, é mais uma estratégia para se diferenciar e se manter no mercado. É o caso da Baleia, que é referência em Porto Alegre quando o assunto é literatura de autoria feminina. Neste ano, a casa saiu do bairro Santana e foi para o Centro Histórico, na Rua Fernando Machado, a mesma de outros dois destaques do ramo: a livraria Taverna e o sebo Padula. No novo endereço, a Baleia conta com salas para oficinas e cursos, que representam metade da receita gerada pela livraria.
– Queremos ampliar nosso acervo e nossa área de atuação também para literatura independente e estudos de imagem – planeja Nanni Rios, idealizadora da loja.
Com as dificuldades enfrentadas por megastores, como Saraiva e Cultura, que pediram recuperação judicial, as pequenas e médias livrarias poderiam ganhar novo fôlego, tornando-se o principal modelo do mercado. Milton Ribeiro, que assumiu a Bamboletras, na Cidade Baixa, no ano passado, acredita que as lojas menores carregam esse potencial, mas ainda não sentiu que clientes das gigantes estão migrando para espaços como o seu:
– Não comemoro que Saraiva e Cultura estejam mal das pernas, pois muitos funcionários dessas casas podem sofrer com isso, e toda cadeia produtiva do livro pode ser afetada. Mas observo que, com a falência da Barnes & Noble nos Estados Unidos, houve um crescimento das pequenas livrarias. De certa forma, comecei a notar isso aqui no Brasil. Ainda não percebi uma migração expressiva de clientes para nossa loja porque uma rede ou outra deixou de receber livros de determinadas editoras, por exemplo.