Com a obra de Monteiro Lobato entrando em domínio público neste ano de 2019, o que não muda é o potencial polêmico desses trabalhos. Na última década, os livros do escritor paulista foram algumas vezes acusados de estimular preconceitos.
O romance adulto O Presidente Negro ou O Choque das Raças (1926), por exemplo, impressionou leitores contemporâneos depois de ganhar nova edição, em 2008, pela Globo, por conta do racismo e da misoginia aparentes no texto – cartas divulgadas posteriormente, em que Lobato declarava sua admiração pela eugenia, serviram para reforçar que o escritor não estava sendo irônico ou isento na ficção.
Não foi apenas a obra adulta que passou por acusações de preconceito. Em 2010, Caçadas de Pedrinho (1933) foi denunciada por seu teor racista pelo Conselho Nacional de Educação, pois Tia Nastácia era comparada com animais, como macaco e urubu, por outros personagens. Depois disso, o Supremo Tribunal Federal chegou a receber pedidos para que o livro fosse retirado das listas de leitura escolar obrigatória. Por conta da polêmica, algumas edições passaram a contar com notas explicativas discutindo a questão.
Textos de apresentação contextualizam visão do autor
Entre as editoras que já anunciaram o interesse em reeditar Monteiro Lobato, apenas a Sesi-SP contém Caçadas de Pedrinho no rol de títulos previstos. O volume, que dever sair em maio, não terá cortes e adaptações no texto original, e contará com um texto de apresentação, escrito por Tâmara de Abreu, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
– Os textos originais foram mantidos sem qualquer alteração, pois seria inapropriado interferir em textos clássicos da literatura. A obra de Lobato deve ser lida e apreciada no que diz respeito à sua capacidade de gerar fabulação e à sua originalidade. Quanto às questões polêmicas, a editora acredita que é preciso situar a obra de Monteiro Lobato no tempo e no espaço, ajudando o leitor a compreender o momento em que foi produzida. Na coleção da Sesi-SP Editora, isso foi feito no texto de apresentação – explica o diretor editorial Rodrigo de Faria e Silva.
Marisa Lajolo, professora especialista em Monteiro Lobato, coordena as edições do autor programadas pela Companhia das Letras para 2019. A primeira será Reinações de Narizinho, que reproduz literal e integralmente o texto da última edição revisada pelo escritor. No entanto, ela não condena editores que pretendem modificar o texto original.
– Talvez alguns lançamentos policiem, reescrevendo ou omitindo, passagens consideradas politicamente incorretas. Mas não acho que seja oportunismo ou descuido. O próprio Lobato reescrevia muito seus livros, muitas vezes tirando deles passagens consideradas desrespeitosas para certos grupos. A primeira edição da história de Narizinho tinha uma cena que satirizava sacramentos católicos, e o episódio desapareceu das edições posteriores. Também o Jeca Tatu passou, de caipira preguiçoso, a trabalhador rural sem-terra. Ou seja, Lobato se reinventou e se reescreveu ao longo de toda a vida. O que, em meu ponto de vista, é louvabilíssimo e exige muita coragem – diz Marisa, que deve lançar em fevereiro a biografia Reinações de Monteiro Lobato, escrito por ela e a historiadora Lilia Schwarcz.
Para Gilmar Fraga, responsável pelas ilustrações de uma coleção de 10 volumes do Sítio recém-lançada pela L&PM Editores, o trabalho dos ilustradores também pode colaborar para tornar as obras mais inclusivas:
– Sempre que possível, destaquei Tia Nastácia nas ilustrações. É um modo de dar uma resposta gráfica a qualquer preconceito que pode estar contido nos textos. (Alexandre Lucchese)