Tradutor que já trouxe para o português Os Cantos de Cantuária de Chaucer e dramas de Shakespeare, José Francisco Botelho faz de seu segundo livro, Cavalos de Cronos, um amálgama ambicioso entre o clássico e o regional. Ele autografa a obra nesta sexta-feira (16) às 17h30min, dentro da programação da Feira do Livro.
Cavalos de Cronos não é um livro de fantasia propriamente dito, mas também não é realista.
Esse livro foi dedicado ao Marcel Schwob, mencionado na epígrafe. E Vidas Imaginárias do Schwob é um livro cujos contos começam na antiguidade, distante do mundo do narrador, e chegam na Paris do século 19, que era o universo do Schwob. Esse livro é o contrário. Começa no meu mundo, que é a fronteira, e vai recuando. E na segunda metade ele vai se tornando mais fantástico. Quando publiquei meu primeiro livro, A Árvore que Falava Aramaico, queria compor um livro com a estrutura de um conto fantástico. Que a pessoa começasse a ler achando que estava acompanhando uma narrativa realista e aí, na metade, havia uma virada com um conto fantástico e a partir daí entraria outra realidade. No segundo, eu também queria uma estrutura em duas partes, mas mais extrema.
A literatura sobre o Rio Grande por muito tempo foi obcecada com o lugar que ocupa na tradição do Prata, do Cone Sul, do Pampa. Você parece ampliar esse foco, ambientando suas narrativas em outros universos históricos.
Eu tive contato com os antigos repentistas. Não a cópia disso na cidade, mas eu conheci exemplos da poesia oral trovadoresca gaúcha, que é uma evolução do trovadorismo medieval. Eles faziam isso muito naturalmente, misturavam causos e a realidade que viviam com o quanto sabiam de história antiga. Isso aí me influenciou muito no início. Tem um pouco aí do resgate de uma estrutura mítica popular, que não parou para pensar nessa conversa das controvérsias da gauchesca e do gauchismo, é uma coisa anterior a isso, mais próxima da mentalidade lá na origem, do romanceiro medieval.
Trânsitos e comércios escusos também são presentes no livro, de certo modo.
A figura do contrabandista sempre me interessou. O Alan Pauls diz que o Borges gostava do tradutor que se comporta como contrabandista: atravessa uma fronteira, pega uma coisa sem pedir licença, traz de volta. Sempre tive essa imagem do contrabandista como um personagem cheio de significados, na literatura e na história. E a ideia do contrabando, que é uma coisa meio secreta, está em todo o livro. É um contrabando de ideias, de palavras. No conto Cavalos de Cronos eu contrabandeio coisas da mitologia clássica para o universo da gauchesca, que, como tu disseste, é um pouco fechada em si mesmo. É um contrabando literário.