Em um mundo em que o cinema canibaliza o gênero até a exaustão, é preciso uma grande ideia para uma história de horror original. O jovem autor holandês Thomas Olde Heuvelt encontrou uma. Em seu romance Hex, recém-lançado no Brasil, um vilarejo no interior dos Estados Unidos convive há séculos com uma bruxa acorrentada que assombra o lugar. Aparentemente, a sinistra presença se naturalizou tanto que o grande problema é manter sua existência em segredo de visitantes. Até que algo dá errado.
Heuvelt, convidado deste ano da Odisseia de Literatura Fantástica, concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora:
Hex é um livro sobre uma bruxa, mas é também romance sobre repressão?
Sim. Acredito que a sociedade não precisa de muito para retroceder. Na Europa, há alguns anos, a crise dos refugiados teve início. As pessoas ficaram amedrontadas com as possíveis consequências da chegada de refugiados na sua sociedade. É algo humano, normal e compreensível, que gente saia de um país em guerra para entrar em outro país. Mas houve quem repudiasse isso, quebrasse janelas e se manifestasse contra... Eram apenas desconhecidos entrando no seu continente, mas foi suficiente para abalar toda uma sociedade.
Há atualmente uma valorização do horror no cinema e na literatura. O gênero está sendo visto com outros olhos?
O horror marca o nosso tempo. O mundo se tornou menor, por conta das mídias sociais e da comunicação de massa. Sabemos de tudo que está rolando no mundo. E há muitas coisas ruins acontecendo. Há muita insegurança. É provável que isso faça tanta gente voltar seus olhos para esse tipo de literatura, porque os leitores conseguem aliviar seus medos ao se colocarem nessas narrativas. E o gênero não é formado apenas por histórias superficiais de monstros e fantasmas. Há muito mais. Há comentário social, por exemplo.
A tradução brasileira, baseada na edição internacional de Hex, tem um texto diferente do original publicado nos Países Baixos. Qual a diferença?
A história é exatamente a mesma nas duas edições. O que muda é a localização. A história original se passa em uma cidade dos Países Baixos, com um fundo histórico holandês. Mas quando o livro foi lançado nos EUA, quis mudar o cenário para algo mais internacional. Acredito que, para criar medo, é preciso gerar no leitor um senso de familiaridade. É preciso colocá-lo em um espaço em que ele se sinta confortável. Aí você destrói esse ambiente, introduzindo fenômenos sobrenaturais.
A mudança veio então com a edição americana?
Sim. Quando um americano lesse um livro sobre uma pequena cidade dos Países Baixos, ficaria pensando em como se pronunciam os nomes, em como são os ambientes. A procura racional por essas respostas abalaria as reações emocionais. Então mudei nomes e lugares, bem como todo pano de fundo histórico. É a mesma história, mas em um local diferente.
O ambiente lembra o cenário da peça As Bruxas de Salem, de Arthur Miller.
Exatamente. Escolhi o Estado de Nova York porque é palco de narrativas clássicas de Nathaniel Hawthorne e Washington Irving. Algo interessante é que, em todos os países em que Hex foi publicado, oferecemos a edição americana e a holandesa. Sempre escolhiam a edição americana. É como a cultura pop funciona. As histórias costumam ser localizadas nos EUA. É o que o público vê no cinema e em outras mídias.
Ficha de leitura
- Luisa Geisler lança seu terceiro romance na segunda-feira, às 19h, na livraria Baleia (Santana, 252), em Porto Alegre. Em Espaços Abandonados (Alfaguara, 414 páginas, R$ 59,90) trata da busca de Maria Alice, jovem introspectiva e míope, por sua mãe, que desapareceu sem deixar pista e sofre de distúrbio bipolar. A procura leva a protagonista a Dublin, onde passa a viver com grupos de brasileiros que tentam ganhar a vida no Exterior.
- Em 16 de julho começa mais uma edição do curso Máquina Desmontada: Romance, com os escritores Carol Bensimon e Diego Grando. O propósito é analisar trechos de narrativas e propor exercícios para demonstrar como funciona a construção de um texto longo. Serão quatro aulas, às segundas e quintas-feiras, das 19h às 22h. Para mais informações, é preciso escrever para o e-mail amaquinadesmontada@gmail.com.
- O quadrinista Rafael Correa divulga campanha de financiamento coletivo para publicação do livro Até Aqui Tudo Bem, que reúne trabalhos seus realizados nos últimos 10 anos, nesta sexta-feira, às 20h, com sarau no bar Carmelita (Travessa do Carmo, 54). O evento começa com um bate-papo sobre o passado e o futuro dos quadrinhos, com Rafael e Santiago. Haverá também leituras de poemas e canja musical da The Catnip Band. Os ingressos custam R$ 15.
Prateleira
Viagem ao Volga
De Ahmad Ibn Fadlan
Carambaia, 86 páginas, R$ 67,90.
Escrito no século 10, este livro é um relato de uma missão diplomática que partiu de uma das capitais do Império Islâmico, Bagdá, rumo a terras do Norte. A comitiva encerrou seu trajeto às margens do Rio Volga (atual Cazã, na Rússia), cobrindo 4 mil quilômetros em quase um ano. Além de cumprir funções administrativas, Ibn Fadlan anotou observações sobre as diferentes paisagens e costumes dos locais por onde passou. Convertidas em livro, essas notas se tornaram algumas das principais fontes históricas medievais acerca do norte e leste europeus, sudoeste asiático e Islã. Tradução de Pedro Martins Criado.
Corpos em Aliança e a Política das Ruas
De Judith Butler
Civilização Brasileira, 266 páginas, R$ 52,90.
As assembleias populares em Wall Street e na Praça Tahir inspiraram a escrita do novo livro de Judith Butler. Em Corpos em Aliança e a Política das Ruas, a filósofa americana se baseia no conceito de “ações coletivas”, de Hannah Arendt, para repensar o papel do corpo na política.
Para Butler, o corpo aparece como expressão política transitória diante da precarização das condições de vida e de um sistema econômico predatório. Ao se exporem em assembleia, manifestantes tornam visível o descontentamento que o ambiente político tenta esconder. Tradução de Fernanda Siqueira Miguens.
A Única História
De Julian Barnes
Tradução de Léa Viveiros de Castro. Rocco, 224 páginas, R$ 34,90.
Premiado com o Man Booker Prize de 2011, por O Sentido de um Fim, o britânico Julian Barnes tematiza o amor neste novo romance. O protagonista é Paul, um universitário de 19 anos que mora em um entediante bairro londrino. Por insistência de sua mãe, o jovem começa a frequentar um clube de tênis local. Em princípio, ele não se identificava com os frequentadores, mas logo se envolve com Susan, uma experiente jogadora de 50 anos, mãe de duas filhas quase adultas. Os amantes vivem um relacionamento conturbado, que Paul narra décadas mais tarde.
Bússola
De Mathias Enard
Todavia, 350 páginas, R$ 79,90.
Com uma carreira marcada por romances premiados, o francês Mathias Enard estudou árabe e persa, tendo vivido longos períodos no Oriente Médio. Nesta narrativa longa, Franz Ritter é um musicólogo apaixonado pelo Oriente islâmico, judaico e cristão. Em uma noite de insônia, o personagem tenta elencar memórias de viagens a destinos como Istambul, Alepo, Damasco, Palmira e Teerã. As vivências também expõem o amor nunca revelado de Ritter por Sarah, uma intelectual também interessada pelas culturas do “outro” não europeu. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar.