Foi pelas estantes de livros da dinda Ana Paula e da vó Norma que a literatura entrou na vida de Tobias Carvalho. Quando pequeno, o porto-alegrense passava horas descobrindo escritores e referências literárias nas bibliotecas que elas tinham em casa. Passados alguns anos - não muitos -, o estudante de Relações Internacionais de 22 anos se tornou o vencedor, na categoria contos, do Prêmio Sesc de Literatura 2018, que tem como objetivo revelar talentos ainda não publicados. Em 15 anos de Prêmio Sesc, Tobias é o segundo autor mais jovem a ser reconhecido. O escritor fica atrás apenas da também gaúcha Luisa Geisler, vencedora em 2010 e 2011 - aos 19 e 20 anos de idade.
Para o concurso, Carvalho inscreveu As Coisas, livro que reúne 25 contos sobre personagens homossexuais cujas histórias se entrelaçam e se contrapõem sob diferentes gêneros e perspectivas. A obra deve ser publicada no final de novembro pela Editora Record, com tiragem inicial de 2 mil exemplares. O jovem escritor também participará de uma mesa da Festa Literária Internacional de Paraty deste ano, ao lado de Juliana Leite, que levou o prêmio na categoria romance.
— Decidi escrever um livro porque já tinha vários contos prontos que, reunidos, formavam uma unidade. A partir dessa ideia, compilei os textos que estavam feitos e escrevi outros que girassem em torno da mesma temática. São 25 histórias escolhidas para que os personagens do livro tivessem um arco que fizesse sentido dentro da ordem dos textos. De certa forma, eles se conectam, embora seja por meio de uma simetria falha — explica Tobias.
O conto mais antigo presente no livro foi escrito em 2014. O mais recente, em 2018. Tobias participou de oficinas literárias, como a do escritor e cronista de ZH Pedro Gonzaga. No início de 2017, o jovem autor gaúcho decidiu que usaria o prazo de inscrição do Prêmio Sesc 2018 como data final para ter uma obra fechada, com a qual tentaria publicação mesmo se não vencesse o concurso. Como que se apertando entre obrigações cotidianas, a literatura começou a exigir cada vez mais espaço na vida de Tobias:
— Eu usei minhas férias para escrever bastante, foi um processo um pouco penoso, mas que valeu a pena. A minha escrita vem muito em jorros. Para terminar As Coisas, no entanto, tive que me disciplinar para escrever todos os dias.
Foi a primeira vez que Tobias concorreu ao Prêmio Sesc de Literatura. Daí a surpresa ao saber do resultado, principalmente quando escritores dos quais sempre foi leitor ávido entraram em contato para parabenizá-lo. Daniel Galera e Letícia Wierchowski integraram a comissão final do concurso, que escolheu por unanimidade o porto-alegrense. No total, 720 livros de contos concorreram à premiação.
Prêmio reacendeu o sonho de viver de literatura
A escolha do tema principal de seus contos passou por um processo espontâneo. Tobias sentia falta de uma literatura que não colocasse de forma militante a questão LGBTI. A vontade de escrever, mas também de ler livros que tratassem da homossexualidade fugindo de um tom artificial motivou o jovem escritor:
— Eram assuntos, sentimentos, dores, alegrias que eu sentia, que faziam parte da minha vida, faziam parte da vida dos meus amigos, do círculo social em que eu estou inserido. Não tinha como objetivo fazer uma "literatura LGBTI". Essa questão peca pela falta de profundidade que tem quando surge na literatura. Ela aparece muito em cima da descoberta e em cima da aceitação, mas é pouco colocada para além da superfície.
O autor cita referências contemporâneas que o ajudaram a pensar o tema para além dessa superfície, como Carlos Eduardo Pereira, com Enquanto os Dentes, Samir Machado, com Homens Elegantes, e Natalia Borges Polesso, com Amora. Nascido em um dos países mais perigosos para a população LGBTI no mundo, Tobias reforça a importância de escrever obras que produzam empatia ao redor da questão:
— Se existe uma contribuição social que meu livro pode dar ao leitor, eu acho que é a de tratar essa questão como algo humano. Oferecer e produzir empatia ao redor deste assunto. Apesar dos personagens dos contos serem gays, as histórias focam nas dinâmicas afetivas, nas relações entre essas pessoas, que todo ser humano enfrenta de um modo ou de outro. Isso permite que as pessoas se aproximem deles.
Depois de largar a faculdade de Publicidade e Propaganda para cursar Relações Internacionais na UFRGS, Tobias Carvalho vai terminar a graduação, mas não pretende seguir carreira. O escritor quer atender um chamado que há algum tempo vem pedindo passagem em sua vida. Seja como autor, pesquisador, tradutor ou outras funções que orbitem o assunto, Tobias quer viver de literatura:
— Sempre foi o meu sonho ser escritor. O primeiro sonho, a primeira coisa que veio a mente. Mas eu fui ensinado a afogar isso. O prêmio me deu a oportunidade de trazer a literatura novamente para o centro da minha vida.