Os vencedores da 24ª edição do Prêmio Açorianos de Literatura foram anunciados na noite de sexta-feira (23), em uma cerimônia de tons marcadamente políticos em que não faltaram manifestações contra a corrupção, referências ao assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco e críticas às ligações do prefeito Nelson Marchezan com o Movimento Brasil Livre (MBL).
A cerimônia foi realizada no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues, e foram anunciados os melhores livros nas categorias Infantil, Infanto-juvenil, Poesia, Conto, Narrativa Longa, Ensaio de Literatura e Humanidades, além de uma categoria especial, de uma homenagem de Relevância Cultural e do Livro do Ano, escolhido pelos jurados entre os vencedores das demais. O Livro do Ano nesta edição é uma ambiciosa obra poética: João e Maria – Dúplice Coroa de Sonetos Fúnebres, do poeta e professor Leonardo Antunes. A cerimônia também teve espaço para a entrega de um prêmio especial pelo conjunto da obra a quatro escritores atuantes no Estado: Lya Luft, Sergio Faraco, Deonísio da Silva e Aldyr Garcia Schlee.
Apresentada pelo jornalista Roger Lerina, a entrega dos prêmios começou com Jorginho do Trompete executando uma versão de Wave, de Tom Jobim, seguida por uma breve fala do escritor argentino Martín Kohan sobre o mestre Jorge Luis Borges e sua relação irônica com os leitores que o abordavam e com as homenagens que recebia, Uma minipalestra que terminou com a declaração de que a melhor forma de homenagear um escritor é lê-lo.
Quando foi anunciado o prêmio de Ensaio de Literatura e Humanidades, para o livro As Marcas do Cárcere, estudo sobre o sistema carcerário brasileiro, o discurso do autor Leandro Ayres França antecipou um pouco o tom da noite.
– É muito importante receber esse prêmio depois de cinco anos de pesquisa, mas não posso deixar de pensar que as pessoas mais importantes nesse projeto, que são seus personagens, estão dormindo em lugares sem a menor condição. E que estou recebendo esse prêmio em um momento em que ainda se matam ativistas pelos Direitos Humanos.
CRÍTICAS AO PREFEITO
Homens Elegantes, misto de romance histórico e de aventura lançado por Samir Machado de Machado foi premiado na categoria Narrativa Longa. Na trama, um agente da coroa portuguesa nascido no Brasil envolve-se em uma complô na Londres do século 18 enquanto investiga o contrabando para a Colônia de obras proibidas de literatura erótica. Machado não compareceu por estar em viagem a São Paulo, mas foi representado por sua mãe e pela jornalista Lu Thomé, que leu o discurso escrito de agradecimento. Após agradecer à coordenação do livro, ao secretário Luciano Alabarse, aos demais concorrentes e aos leitores, Samir endereçou críticas às ligações do prefeito Marchezan com o MBL:
"Meu livro é, em essência, sobre o uso político do discurso de ódio e da histeria pública. E não posso deixar de notar a ironia de que, sendo esse prêmio concedido pela prefeitura de Porto Alegre, o atual prefeito esteja relacionado a um grupo considerado um dos maiores propagadores da cultura de ódio no país, que se especializou em usar a histeria pública com fins políticos sob o lema de 'não deixe seu ódio em casa'. – escreveu Samir Machado, que finalizou – "Então, fica aqui meu agradecimento à instituição da prefeitura, mas não ao chefe, que possivelmente preferiria que não estivéssemos aqui ou que sequer existíssemos". – dizia o discurso, recebido com muitos aplausos pela plateia.
Escolhido o Livro do Ano, João e Maria _ Dúplice Coroa de Sonetos Fúnebres é mais do que uma simples coletânea de versos, é um livro com projeto cuidadoso que parte de temas e formas da tradição para construir uma poesia ousada. Como o subtítulo entrega, o formato do livro é o de duas "coroas de sonetos", grupos interligados de 15 sonetos nos quais o poema inicial é o "mote", e todos os outros começam com um dos versos do primeiro.
Professor de Grego Clássico na UFRGS, o autor Leonardo Antunes vai buscar inspiração nessa forma que por vezes é tida como passadista para criar uma narrativa, a de João e Maria, outra referência clássica, que ele vira de ponta-cabeça com sonetos fluentes e inovadores. O João e a Maria de Leonardo Antunes não são os órfãos da fábula, mas um menino pobre suicida e uma mulher trabalhadora. Ao receber o prêmio, Antunes disse que se sentia um pouco constrangido por receber um prêmio por um livro de poesias que lidava com temas tão tristes e trágicos
– Talvez fosse melhor viver em um mundo em que esse livro não precisasse ser escrito – disse.
HOMENAGENS E AMIGOS AUSENTES
Martha Medeiros, com o segundo volume de suas crônicas de viagem Um Lugar na Janela, foi premiada em crônicas – categoria na qual a autora já recebeu o Açorianos pelos livros Topless (1998) e Montanha Russa (2004). Ela também não pôde comparecer, e seu prêmio foi recebido pelo editor Ivan Pinheiro Machado, da L&PM. Em contos, o vencedor foi Gustavo de Melo Czekster, com a coletânea Não Há Amanhã. Nas categorias voltadas aos leitores mais jovens, foram premiados dois veteranos do gênero. Luiz Coronel teve seu Venturinha, o Amigo Vento, escolhido como melhor infantil, enquanto Luís Dill foi apontado como autor do melhor livro infanto-juvenil, o mistério Jubarte. O Espaço Delfos de Documentação e Memória da PUCRS recebeu um prêmio por Relevância Cultural, e na categoria especial o jornalista Ricardo "Kadão" Chaves, ex-editor de fotografia e colunista de Zero Hora, foi premiado com seu livro de memórias A Força do Tempo.
Quando começaram a ser chamados ao palco os homenageados, viu-se que o discurso de Machado teve ressonâncias. Ao subir para apresentar a homenageada Lya Luft, o secretário de Cultura Luciano Alabarse teceu um longo discurso que fazia um paralelo entre sua amizade com o escritor João Gilberto Noll, falecido em 28 de março do ano passado, e a descoberta do livro de Samir Machado, que Luciano leu pouco antes da Feira do Livro do ano passado. Assim como passou horas conversando com Noll em uma sessão de autógrafos há quatro décadas, Alabarse frisou ter mantido um longo papo com Samir durante a Feira.
- Estávamos lá durante uma palestra que até mudou de lugar por causa desses insuportáveis seres do MBL. Quero reforçar aqui que eu também abomino a censura - disse Alabarse, antes de finalmente entregar a palavra à homenageada.
Ainda no terreno das homenagens, enquanto apresentava Aldyr Garcia Schlee, Antonio Holfeldt mencionou, como é comum quando se trata do escritor, que ele também foi o responsável pelo desenho da camiseta amarela da Seleção Brasileira, em um concurso nos anos 1950. Schlee interrompeu e desabafou imediatamente.
- Essa camisa hoje tem aquele distintivo da CBF, e eu vou dizer aquilo que vocês já sabem: aquele é um símbolo da corrupção no Brasil. - disse Schlee, que foi o homenageado mais lacônico da noite, limitando-se, após receber seu Açorianos, a um "muito obrigado". Já Faraco, ao receber sua homenagem, dedicou-a a dois amigos escritores ausentes: Lauri Maciel (1924–2002) e Arnaldo Campos (1932–2012).
Os vencedores em cada categoria
Infantil
Venturinha, o Amigo do Vento, de Luiz Coronel (Mecenas Editora)
Infanto-Juvenil
Jubarte, de Luís Dill (Editora do Brasil)
Crônica
Um Lugar na Janela 2 – Relatos de Viagem, de Martha Medeiros (L&PM)
Conto
Não há Amanhã, de Gustavo Melo Czekster (Zouk)
Poema
João e Maria – Dúplice Coroa de Sonetos Fúnebres, de Leonardo Antunes (Patuá)
Narrativa Longa
Homens Elegantes, de Samir Machado de Machado (Rocco)
Ensaio de Literatura e Humanidades
As Marcas do Cárcere, de Leandro Ayres França, Alfredo Steffen Neto e Alysson Ramos Artuso (Editora IEA)
Especial
A Força do Tempo – Histórias de um Repórter Fotográfico Brasileiro, de Ricardo "Kadão" Chaves (Libretos)
Relevância Cultural
Espaço Delfos de Documentação e Memória da PUCRS
Livro do Ano
João e Maria – Dúplice Coroa de Sonetos Fúnebres, de Leonardo Antunes (Patuá)