Um fotógrafo escreve com imagens. E, de um bom contador de histórias visuais, ninguém exige também o domínio das letras. Ricardo Chaves, o Kadão, é um raro criador ambidestro: o livro A força do tempo é o testemunho de que sua eloquência com a narrativa fotográfica é a mesma de sua fluência com as palavras – habilidade, aliás, que os muitos leitores do Almanaque Gaúcho, deliciosa coluna diária que assina nesta Zero Hora, já sabem há tempos. Por falar em tempo, substantivo que está no título do belo volume publicado pela editora Libretos, demorou muito para Kadão finalmente embarcar nesse projeto que recupera mais de 40 anos de intensa e prolífica atividade fotojornalística. De uma modéstia tão grande quanto sua figura, o profissional que trabalhou por décadas nas principais redações de jornais e revistas nacionais – como Veja, IstoÉ, Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo – procrastinou o quanto pôde a missão de registrar sua rica trajetória, tanto em fotos quanto em textos, uma tarefa constantemente cobrada pelos colegas.
Conheci o Kadão já virado em mito, na Redação de ZH, onde ocupava desde 1992 o cargo de editor de fotografia, depois de rodar o mundo fotografando os grandes líderes políticos e os anônimos esquecidos pela sociedade, os tempos de luta e as celebrações de paz, as personalidades das artes e dos esportes. Sua presença afirmava-se: corpulento, vestindo aquele típico colete de fotógrafo com incontáveis bolsos cheios de filmes e peças de equipamento, boné na cabeça e charuto entre os dedos, Kadão era, naturalmente e sem afetação, a encarnação arquetípica do fotojornalista.O título do livro de Kadão parafraseia A força da idade, obra memorialística em que Simone de Beauvoir dissertava sobre as motivações que a levaram a escrever seus primeiros textos, ao mesmo tempo em que fazia um retrato de sua época. Entretanto, é a outro nome francês, o já citado Cartier-Bresson, que nosso personagem recorre no prefácio de seu livro ao tentar definir sua permanente curiosidade, lembrando a obsessão do mestre com uma pergunta falsamente simples: “Do que se trata?”. Pois bem, aqui se trata de Kadão Chaves, uma força do nosso tempo.
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A força do tempo
Ricardo Chaves. Libretos, 184 págs., R$ 50. Bate-papo com Kadão Chaves, apresentado por Pedro Hasse, nesta quarta-feira, às 17h30min, na Sala Oeste do Santander Cultural (Rua 7 de Setembro, 1.028). Autógrafos às 20h, na Praça de Autógrafos.