O escritor paranaense Oscar Nakasato desfrutou, em 2012, de um tipo um tanto inconveniente de celebridade. Naquele ano, seu livro Nihonjin foi escolhido o melhor romance no Prêmio Jabuti – devido a um protesto de um dos jurados que, aproveitando-se de uma brecha no regulamento, deu nota zero à maioria dos demais concorrentes para influenciar o resultado final. Nakasato e seu livro não tinham nada a ver com a história, estavam apenas inscritos, mas a repercussão do episódio, se serviu para tornar conhecido o romance de estreia do autor, também levou-o a ser comentado mais pelo caso do que por seus méritos literários. Por isso, é bom que ele esteja lançando um segundo livro que possa ser lido apenas pelo que é, o romance Dois.
Embora provavelmente vá representar um pesadelo para quem quiser pesquisar por ele nas livrarias online, Dois é uma escolha esperta como título. É uma referência tanto ao fato de ser o segundo romance do autor quanto ao foco e à estrutura da narrativa. Dois alterna dois pontos de vista da mesma história, em primeira pessoa alternadamente por Zé Paulo e Zé Eduardo, dois irmãos de temperamentos e trajetórias opostos.
Zé Paulo é o mais velho. Zé Eduardo, o mais novo. Entre eles, dois irmãos do meio, Maria Luísa e Zé Carlos, quatro filhos de uma família de poucos recursos e muito trabalho duro na Maringá dos anos 1950. Zé Paulo assume com ardor bíblico o fardo da primogenitura: é conservador, sente-se mais cobrado do que os mais novos, especialmente o caçula mimado pela mãe. Zé Eduardo cresce com a rebeldia e a irresponsabilidade dos mais novos, inconformado com o status quo e desenvolvendo um pendor artístico que é visto pelo irmão mais velho como afetação.
Com o golpe militar de 1964 e a subsequente ditadura, Zé Eduardo ingressa na luta política e, mais tarde, vai para o exílio. Zé Paulo torna-se relojoeiro, tem filhos. Zé Paulo viaja para o Chile e dali vive uma vida errante como artista profissional até voltar ao Brasil e tentar com o irmão uma reaproximação que se revela impossível.
O discurso conservador tradicional aponta a família como uma unidade (para alguns, como o próprio Zé Paulo do livro, base da sociedade e aquela coisa toda). O livro de Nakasato apresenta a crítica dessa concepção ao mostrar cada um dos irmãos como uma individualidade radical. Cada capítulo é titulado com uma frase do personagem narrado, em que se destaca, em maiúsculas e negrito, a palavra “EU” – cada um está ali apresentando menos sua versão da infância comum e das desavenças posteriores e mais sua subjetividade.
Um dos méritos da escrita de Nakasato em Dois é seu bem afinado senso do trágico. Outro é criar vozes radicalmente distintas, ao ponto de o leitor conseguir identificar sem traumas quem está falando mesmo sem nomeação direta. Só que, e eis um dos tropeços, isso é feito às custas de um certo exagero nas falas do irmão “artístico”, Zé Eduardo, que se expressa com uma sintaxe arrevesada, com adjetivos antes dos substantivos e frases pretensamente poéticas, e que parecem ainda mais afetadas diante da prosa direta do conservador Zé Paulo.