Há exatos 50 anos, no vilarejo boliviano de La Higuera, o argentino Ernesto “Che” Guevara de la Serna (1928–1967) foi fuzilado, um dia após ter sido aprisionado pelas autoridades locais, ao tentar, sem sucesso, sublevar os camponeses da região. Ao longo dos últimos 50 anos, Che se tornou um dos personagens mais discutidos e biografados da segunda metade do século 20. O livro que o jornalista e colunista de Zero Hora Flávio Tavares lança hoje é uma nova biografia, mas mesclada com um ensaio. Para Tavares, a morte física na Bolívia foi apenas a culminância de outras duas mortes simbólicas mais graves na trajetória do guerrilheiro:
– Eu já pensava há algum tempo nisso, mas agora, com a aproximação dos 50 anos da morte, é que me aflorou a ideia de escrever sobre essas três “mortes”, porque com tudo o que já havia lido e pesquisado sobre ele, percebi que já não era mais uma força viva mesmo antes de ser executado.
A tese central do autor é de que Che, ideólogo e estrategista que ajudou a levar Fidel Castro ao poder em Cuba, em 1959, acreditava fanaticamente em uma versão muito pessoal da revolução socialista, diversa da experiência soviética hegemônica na época. Teria, então, deixado Cuba em 1965, quando sua desconfiança da URSS ameaçava rachar a revolução cubana.
– Che acreditava na criação, pelo socialismo, de um “homem novo”, e via com maus olhos a burocracia partidária soviética – destaca Tavares. – Ele abandona Cuba, para deixar Fidel livre para se aproximar dos russos. Ele não seguiria o caminho soviético, então se sacrifica.
Essa é a primeira morte, a morte política dentro de Cuba, uma vez que sua figura havia se tornado inconveniente ao quadro geral da política cubana. A segunda, Tavares situa no Congo, para onde Che foi tentando implantar uma nova revolução – mas acabou forçado a abandonar o projeto também devido ao boicote soviético.
– Che Guevara foi uma grande vítima das disputas políticas daquele tempo, da Guerra Fria entre URSS e EUA e da própria disputa entre URSS e China para decidir quem conduziria o destino do comunismo internacional. Tanto que é a União Soviética que força a retirada dos cubanos da África – afirma Tavares.
Para redigir o livro, Tavares amparou-se em anos de pesquisas e entrevistas realizadas em seu ofício de repórter. Uma das fontes do livro, Reque Terán, coronel boliviano que participou das ações de repressão à guerrilha, conversou longamente com o jornalista quando ambos estavam exilados na Argentina, nos anos 1970. O autor também falou ao longo dos anos com outros personagens cruciais da história, além de acompanhar a extensa produção biográfica que cerca o personagem. Visitou lugares significativos da história do Che e, quando finalmente se dedicou a colocar tudo no papel, levou apenas seis meses.
– Comecei em fevereiro deste ano e terminei em agosto. Antes disso, demorei 10 ou 12 anos pensando no tema. Eu faço uma distinção entre escrever, pensar o tema e redigir, que é a etapa braçal. Para escrever eu levo anos e para redigir levo umas semanas.
Tavares conheceu Guevara pessoalmente em agosto de 1961, quando acompanhou uma conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizada em Punta del Este, no Uruguai, à qual Guevara compareceu como enviado oficial de Cuba. Narrou a experiência em seu livro anterior, Meus Trezes Dias com Che Guevara. Essa visão remota em primeira mão também o ajudou a formar a imagem de Che expressa na biografia:
– Ele acreditava no socialismo como a construção de algo ético e tinha uma mentalidade de cristão dos primeiros tempos: inflexível.
AS TRÊS MORTES DE CHE GUEVARA
Flávio Tavares
Ensaio. L&PM, 232 páginas, R$ 39,90. Lançamento e sessão de autógrafos nesta segunda-feira (9/10), às 18h30min, na Livraria Saraiva do Moinhos Shopping (Rua Olavo Barreto Viana, 36).