Começou na tarde deste domingo (11) a 12ª Mostra de Teatro de Rua de Porto Alegre, que está de volta ao calendário cultural da cidade passados 20 anos desde a última edição. Dois espetáculos foram responsáveis por dar a largada do evento: O Amargo Santo da Purificação, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, na Orla do Guaíba; e Deus e o Diabo na Terra da Miséria, da Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais, apresentado no Parque Germânia.
A movimentação na Orla começou por volta das 17h, com dezenas de pessoas se posicionando para acompanhar O Amargo Santo da Purificação. O espetáculo conta a história do político e escritor brasileiro Carlos Marighella, assassinado durante o período da Ditadura Militar. Mesclando teatro, dança e música — com canções inspiradas nos poemas escritos por Marighella —, os atuadores do Ói Nóis recuperam desde o nascimento do baiano até a sua morte em 1969, aos 57 anos.
Com isso, a peça acaba traçando um panorama histórico do país, tendo a vida do guerrilheiro comunista como fio-condutor. Estão representados períodos como o Estado Novo de Getúlio Vargas, o golpe militar de 1964 e o endurecimento do regime com a promulgação do AI-5. Entre a plateia, houve quem não conseguisse segurar as lágrimas nas cenas que simbolizavam a tortura praticada durante o período.
Na visão da psicóloga Elisandra Marques, 50 anos, que assistia emocionada ao espetáculo, é importante que essa parte da história do Brasil seja relembrada de forma acessível a todos.
— É um espetáculo necessário para o momento que estamos vivendo. Eu acho inacreditável que em pleno 2022 vejamos pessoas em frente aos quartéis pedindo o retorno da Ditadura Militar. A gente não pode perder a memória do que foi esse período, e é a cultura que tem a condição de nos lembrar disso com uma vivacidade que toca no corpo — disse a moradora de Canoas, que foi à Orla especialmente para acompanhar a apresentação após ver o anúncio nas redes sociais.
O espetáculo faz essa memória ao longo de quase duas horas de encenação. Ou seja, não se trata de uma obra rápida. A duração, porém, não assustou o público, que se manteve fiel até o momento final de O Amargo Santo da Purificação, quando balões coloridos foram soltos nos ares ao som do refrão entoado pelos atuadores: "É preciso não ter medo / É preciso ter a coragem de dizer / O homem deve ser livre".
Só o que atrapalhou um pouco foi o sol forte e o calor intenso que fazia na tarde deste domingo. A estratégia do público foi procurar uma sombra para conseguir assistir com um pouco mais de conforto. Aí, tudo valia: até a sombra da pessoa ao lado já servia como abrigo. Quem se deu bem foi o vendedor de picolés Marcelo dos Santos, 47 anos, que aproveitou a aglomeração de pessoas para oferecer o seu produto.
— Nunca vi isso aqui antes, estou achando legal, bem interessante. Se tivesse todos os finais de semana seria bom. Todo mundo com calor, deu para vender uma coisinha (risos) — divertiu-se o ambulante.
Para os atuadores, o refresco só veio ao final do espetáculo, junto aos abraços recebidos da plateia. Os artistas se apresentaram vestindo figurinos robustos, compostos por calças e camisas de manga comprida, vestidos longos e, em alguns deles, até mesmo máscaras. Não foi fácil suportar, mas, conforme o atuador Alex Pantera, a emoção de voltar a ocupar as ruas com teatro faz até esquecer a temperatura. Segundo ele, este foi o primeiro grande espetáculo do Ói Nóis desde o início da pandemia.
— No final vem esse ventinho e tudo se refresca — brincou. — Me sinto revigorado, renascido. A rua é o lugar do artista, o lugar da arte pública, de onde nós nunca devíamos ter saído. Voltar a ocupá-la com O Amargo Santo da Purificação é ainda mais simbólico. Este é um espetáculo que mostra que nós não podemos deixar de ser vigilantes com a nossa democracia, ainda tão frágil. Estou realmente emocionado, com vontade de gritar aos quatro cantos: "Viva a liberdade de ser artista! Viva a Mostra de Teatro de Rua de Porto Alegre! Viva a arte democrática e acessível!".
A Mostra, que é pautada na democratização do acesso ao teatro, segue com atividades diárias até o próximo domingo (18). Quase 20 espetáculos serão apresentados na região central da cidade e também em bairros como Bom Jesus, Restinga, Humaitá e Lomba do Pinheiro (veja a programação completa aqui), todos eles gratuitos.