O último trabalho de Jô Soares foi na peça Gaslight - Uma Relação Tóxica, que estreia nesta sexta-feira (9) em São Paulo. Conforme o co-diretor Maurício Guilherme, o humorista continuou trabalhando no projeto enquanto esteve internado, antes de morrer no dia 5 de agosto.
— A voz dele já estava mais fraca, mas ele continuava fazendo piadas. A saúde estava frágil, mas ele continuava ativo e criando muito — contou Guilherme à Folha de S.Paulo.
O dramaturgo, que já havia trabalhado com Jô como diretor assistente, disse que ficou sabendo da internação do colega por acaso. Um dia antes de ser levado ao hospital para tratar de uma pneumonia, Jô havia marcado uma reunião com ele para discutir cenários, figurinos e a trilha sonora da peça. Durante a hospitalização, Guilherme foi dando notícias de todas as etapas da produção.
— Foi muito enigmático. Ele me chamou para um cargo acima. Depois convidou toda a equipe, pensou a concepção do espetáculo e foi embora. Deixou tudo pronto, como quem diz: "Agora vocês assumem" — comentou.
Mesmo no material no qual Jô não conseguiu trabalhar, a equipe buscou manter suas marcas:
— Sabemos todas as piadas, inflexões, as marcas dele, então aquilo que ele não conseguiu pôr as mãos, fizemos como ele gostaria que fosse feito — contou a atriz Erica Montanheiro, que protagoniza a montagem ao lado de Giovani Tozi.
— Ele tinha armado o circo, sabe? Fomos em frente com uma criação nossa, mas com uma criação que sabíamos que ele aprovaria — acrescentou Guilherme, que pôs a montagem de pé em tempo recorde e sem patrocínio para honrar a data de estreia que tinha sido combinada com Jô em vida.
Narrando a história de um homem que age para fazer com que a mulher acredite estar perdendo a sanidade, Gaslight - Uma Relação Tóxica é baseada em um texto de 1938 que ganhou duas adaptações para os cinemas, ambas com o título À Meia Luz— uma em 1940 e outra, mais famosa, em 1944, estrelada por Ingrid Bergman. Esta última é a que serve de inspiração para a peça de Jô, que conta ainda com Neusa Maria Faro, Kéfera Buchmann e Leandro Lima no elenco.
A tradução e adaptação do texto foi feita por Jô ao lado do jornalista Matinas Suzuki Júnior, antigo parceiro. À Folha, ele lembrou que Jô se convenceu de que deveria mesmo fazer a peça quando assistiu a um episódio da série Maravilhosa Sra. Maisel, do Amazon Prime Video.
— Adorávamos a série e um dia a personagem foi se apresentar num bar de comédia que se chamava Gaslight. Ali achamos que era um sinal — recorda o jornalista. — Uma grande brincadeira, mas o Jô tinha dessas coisas.
Suzuki Júnior diz que o veterano continuava lúcido e produtivo no hospital, embora não tivesse conseguido dar continuidade a dois projetos que acalentava. Um era uma ideia ainda embrionária de um livro com base na série Only Murders in the Building.