Último romance de Clarice Lispector e um dos marcos da literatura brasileira, publicado em 1977, A Hora da Estrela traz a história de uma imigrante nordestina que vive desajustada no Rio de Janeiro e a de um narrador que divide suas angústias de escrita e o sofrimento por não conseguir descrever a situação da personagem principal com fidelidade.
Na obra, a miséria humana é a tônica do processo criativo. Isso foi traduzido no musical A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa, que chega a Porto Alegre como um dos destaques do 16º Festival Palco Giratório: sábado (14), às 21h, e domingo (15), às 18h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), com ingressos a R$ 50 nas unidades do Sesc RS ou no teatro, uma hora e meia antes de cada sessão.
Com direção de André Paes Leme, a montagem leva à cena a jovem alagoana Macabéa por meio da atriz e cantora Laila Garin, que viveu Elis Regina no elogiado espetáculo Elis, a Musical (2013). Idealizado para o centenário de Clarice, A Hora da Estrela... teve somente seis apresentações até que a pandemia fechasse todas as casas de espetáculos do país. A retomada ocorreu ainda no ano passado, com restrições de público, e a partir de 2022 vem enchendo teatros por onde passa.
O musical demonstra que a vida medíocre da heroína no Rio de Janeiro dos anos 1970 não ficou para trás no Brasil do século 21, ressalta o diretor da peça:
— É uma questão de valorização do ser humano, empatia, busca por justiça social e equidade. Não são somente nordestinos como Macabéa que migraram para o Sudeste e se tornaram invisíveis: são muitos hoje que estão nas ruas vivendo de uma forma absolutamente precária.
Acostumada com papéis de mulheres fortes, como Joana (em A Gota d’Água) e Elis Regina, Laila Garin conta que o maior desafio foi encarnar uma personagem que não reage, que aceita as limitações e a invisibilidade que a sociedade lhe impõe. A adaptação do livro levada ao cinema por Suzana Amaral, em 1985, com Marcélia Cartaxo, é uma referência para sua atuação. Ela nota:
— Macabéa não reage, não briga por seus direitos. É frágil, não acha que tem o direito de desejar. Representa todas as pessoas invisibilizadas da sociedade. Existe uma opressão que faz com que nem pensem que podem ter uma vida melhor.
Canções
Com canções originais de Chico César e direção musical de Marcelo Caldi, a peça intercala texto e 32 músicas em duas horas de duração. Na montagem, quem narra a história da mulher é a própria Laila. Sem o narrador Rodrigo S.M. da obra original — um alter ego de Lispector —, a atriz, Leonardo Miggiorin e Claudia Ventura, além de uma banda, contam a história já conhecida pelo público. O diretor observa:
— A música acaba se tornando uma espécie de ferramenta de atração do público. Clarice tem a capacidade de te fazer refletir sempre, tem um texto impactante e realista, mas não necessariamente te cativa. E o Chico César é um poeta, ele absorveu o universo de Clarice.