Do projeto iniciado em 2012 à estreia em Porto Alegre em 2013, chegando ao término em 2021. Depois de ter transitado por mais de 70 cidades do país, além de Alemanha e Estados Unidos, o consagrado espetáculo BR-TRANS, dirigido por Jezebel De Carli e estrelado por Silvero Pereira, chega nesta quarta-feira (7) ao seu derradeiro final no Brasil no Theatro São Pedro, com participação especial da artista Valéria Barcellos. Os ingressos, a partir de R$ 40, estão à venda no Sympla e poderão ser adquiridos até duas horas antes do espetáculo na bilheteria, conforme disponibilidade.
— Vai ser muito emocionante para mim. Porto Alegre foi uma cidade onde tive alguns problemas por ser uma pessoa saída do Nordeste. Um choque cultural muito grande, mas ao mesmo tempo uma cidade onde tenho grandes amigos — lembra Silvero.
BR-TRANS traz o universo de travestis, transexuais e artistas transformistas brasileiros. São recortes de vidas reais, que convergem com as inquietações do ator e alguma ficcionalidade. Jezebel destaca como característica importante a não existência de um personagem como na dramaturgia convencional, já que Silvero traz ao palco um solo performativo trabalhado na ideia de ação e de fisicalidade de situações. E apesar de mostrar histórias densas de pessoas LGBT+ — que enfrentam preconceito e violência mesmo nos dias de hoje — temas como empatia e fraternidade também ganham destaque na obra.
Considerada uma das 10 melhores peças de 2016 pelo jornal O Globo, a montagem já foi indicada aos prêmios APTR, CesgranRio, Questão de Crítica e Aplauso Brasil, nas categorias melhor espetáculo, dramaturgia, direção e ator. Nada disso, porém, era esperado por Silvero quando ele começou sua pesquisa. Ele conta que seu objetivo era simplesmente construir uma peça cumprindo o edital Interações Estéticas 2012 do Ministério da Cultura, em residência no Somos Pontão de Cultura LGBT, e depois voltar à Fortaleza.
— Minha ideia era criar um espetáculo documental sobre como minha vida tinha sido transformada a partir do momento em que tive conhecimento do mundo LGBT, principalmente em contato com pessoas trans, travestis e transformistas, e como isso mudou minha maneira de pensar tanto artística quanto politicamente — declara.
Capital
Foi dentro de uma pequena sala de uma ocupação na Avenida Borges de Medeiros, em plena época das manifestações de 2013, que foi feita a primeira apresentação do projeto — que chegaria mais tarde ao Teatro de Arena e a cidades como Fortaleza, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Deixando escapar uma breve risada, Jezebel relembra um detalhe da estreia:
— No dia estava sendo realizada uma passeata, não podia estrear. Todo mundo falava que estávamos vandalizando a Avenida Borges de Medeiros e se criou toda uma coisa de "a polícia tá vindo, vão bater aqui, se escondam!". Foi uma situação no mínimo inusitada.
A parceria entre os dois foi viabilizada por meio de um amigo em comum, o artista visual Sandro Ká. Jezebel ainda não conhecia Silvero, mas o trabalho da diretora já conversava, de certa forma, com identidade de gênero, e o encontro acabou dando certo. Tornou-se uma "provocadora artística", para depois integrar o projeto oficialmente como diretora.
Depois de colecionar marcos, é chegada a hora do adeus. Jezebel afirma que, quando foi criada, a montagem tinha um sentido de provocação e de visibilizar questões à margem daquilo que era considerado normal, mas que atualmente são mais discutidas. Silvero aponta outra questão:
— O debate sobre esse tema mudou bastante e hoje em dia existe um lugar de representatividade e de protagonismo. Eu só gostaria de encerrar esse ciclo onde ele começou. A partir daqui, não existe mais por que o Silvero subir ao palco contando essas histórias.
Esta também é a primeira vez que o espetáculo está no Theatro São Pedro, dando a ele um gosto ainda mais especial. Não apenas pelo fato de ser um dos teatros mais importantes do Estado, mas porque foi lá que Silvero conheceu Babi, mulher cujo sonho era ser atriz e que já cantou Geni e o Zepelim, de Chico Buarque, no local. Agora, sua história vai reverberar no mesmo palco em que um dia já esteve, ao mesmo tempo em que Jezebel e Silvero, ao fechamento das cortinas, deixam para trás um legado de mais de 60 mil espectadores.