Foi a consolidação de um impasse: na última sexta-feira (29), a Fundação Theatro São Pedro anunciou que não possui mais vínculo com a Associação Amigos do TSP. Ligada ao governo do Estado, a instituição afirmou em nota que "foram esgotadas todas as tentativas para que se alcançasse a renovação do vínculo com a assinatura de um novo Termo de Cessão de Uso". Na prática, a Fundação assume toda a administração de bens móveis e imóveis vinculados ao teatro, o que inclui o seu prédio e o Multipalco Eva Sopher. Nas negociações que se estenderam por um ano, houve divergências.
Conforme Antônio Hohlfeldt, presidente da Fundação, a entidade é pública e tem regras específicas, que são da legislação estadual e federal e controladas pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (CAGE), pela Procuradoria Geral (PGE) e pelo Tribunal de Contas. Já a Associação é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que foi fundada em 23 de julho de 1985. Sua finalidade básica é apoiar as atividades do Theatro São Pedro. Com mais de mil associados, a Associação era até hoje uma das instituições mantenedoras do local.
Em nota, a Fundação anuncia que agora "a manutenção predial e aquisição de bens móveis, bem como de toda a infraestrutura de pessoal e suporte tecnológico, são mantidas pela receita gerada pelos espaços públicos do complexo Theatro São Pedro".
No ano passado, foram iniciadas as tratativas de renovação do contrato da Associação com o São Pedro. Segundo Hohlfeldt, a diretoria da organização privada não aceitou os termos propostos pelo novo documento, que eram exigências da Contadoria e da PGE.
— A Associação entende que ela tem a posse e o comando sobre o espaço aqui do Multipalco, enquanto a PGE entende o contrário. É uma propriedade do Estado. A Associação colabora e participa, mas não tem propriedade nem gerência final. A partir disso, houve um impasse. Nós tentamos resolver esse impasse de várias maneiras — diz o presidente da Fundação.
O presidente da Associação, José Roberto Diniz de Moraes, ressaltou em entrevista ao site de GaúchaZH que a entidade vem construindo o Multipalco há 20 anos. No caso, todas as responsabilidades sobre a obra seriam da Associação. Segundo Moraes, a responsabilidade civil e técnica, além de autorizações, sempre foram concedidas em nome da associação. Como não está finalizada, ele entende que a obra é da associação. No caso, não seria responsabilidade do Estado, muito menos da Fundação.
— A Fundação achou que, por uma questão administrativa, algumas coisas que a associação sempre veio explorando ao longo do tempo em benefício da obra, devem ser agora objeto de concessão de uso da Fundação, como o restaurante e o estacionamento. Não temos nada contra isso. O que nós temos pedido é que, para fazermos isso, queremos fazer a entrega formal da obra para o Estado ou para a Fundação, até para nos eximirmos das responsabilidades legais e técnicas, porque a obra não está terminada — aponta o presidente da Associação.
Moraes ressalta que a Associação quer um termo claro de entrega de obra que ressalve responsabilidades:
— Querem se beneficiar, como se a gente não tivesse colocado todo esse dinheiro na obra. Não temos problema de prestação de contas com ninguém. Fazem dois anos que estão nos revirando de cabo a rabo e não conseguem encontrar absolutamente nada para questionar do ponto de vista legal ou de lisura de qualquer natureza. Todos os nossos recursos sempre foram investidos no Multipalco ou no Theatro São Pedro.
Em nota, a Fundação reforçou que as obras desenvolvidas, tanto na reconstrução do Theatro São Pedro quanto no Multipalco, não resultaram de investimentos diretos governamentais. "Foram consequência de projetos aprovados pela Lei de Incentivo à Cultura, do Governo Estadual, ou Lei Rouanet, do Governo Federal, mediante renúncias fiscais, ou seja, são igualmente realizadas através de recursos financeiros públicos", aponta a entidade.
Hohlfeldt ressalta que a obra do Multipalco passou por dificuldades crescentes, acentuados com as saídas de parceiros, que a Associação não conseguiu gerir. Ele aponta que a obra está em 90%, restando a finalização do Teatro Italiano (destinado a espetáculos teatrais, sinfônicos, música e dança, seria o palco principal do projeto) e Teatro Oficina (destinado à criação de espetáculos e propostas experimentais), que ainda não foram concluídos.
— Quando assumimos, há dois anos (o comando da Fundação), nossa tarefa foi retomar esses esforços. Na quinta-feira (28), foi enviada uma documentação para fazer a licitação do piso do Teatro Oficina. Tivemos negociações com Unimed que foram interrompidas por questões formais e jurídicas, mas que vão ser retomadas agora em seguida. Tivemos depois a recepção de um dinheiro do Ministério da Cultura para o ar-condicionado — garante o presidente da Fundação.
Conforme Moraes, do ponto de vista de construção civil, a obra está pronta. O que faltariam são detalhes, como "equipamentos necessários que inviabilizam o uso enquanto não existem, como central térmica".
— O essencial já fizemos, o que falta é a vestimenta. Estamos fazendo por partes. Na medida em que conseguimos captar, a gente bota lá. Desde que entrou essa nova administração, temos sido praticamente impedidos de ir atrás de captação — destaca o presidente da Associação.
Hohlfeldt destaca que o desafio é que, ao longo do governo de Eduardo Leite, ao menos sejam encaminhadas as alternativas para a conclusão da obra do Multipalco.
— Um prédio público parado é a pior coisa do mundo, tu estás perdendo dinheiro. Nosso desafio é buscar que o complexo todo do Theatro São Pedro seja autossuficiente. Pelo menos em relação à sua manutenção, sem deixar de ser um ente público.
E os associados?
Hohlfeldt conta que houve um ano com negociações entre Fundação e Associação, o que não poderia perdurar. Ele argumenta que seria uma ilegalidade ocupar um espaço de um próprio público nessas condições (sem contrato).
— Nós estamos reconhecendo que a partir de agora há um hiato nessa relação. Precisamos ver o que vai acontecer daqui para frente, se a direção vai tomar alguma decisão ou os associados — diz o presidente da Fundação. — Se esta ou outra diretoria reconsiderar a posição e aceitar os termos que estão sendo propostos, nós podemos também tentar reexaminar.
Para Moraes, a Associação não deveria se restringir ao papel de concessionária:
— Além dos R$ 42 milhões que a associação dedicou exclusivamente às obras do espaço, foram investidos também em material e em funcionários. A Associação não colocou pouco dinheiro no TSP. E, no momento em que a gente simplesmente faz uma concessão de uso, tudo isso é ignorado. A associação não é irrelevante a esse ponto e merece o reconhecimento de um espaço que é seu, permanente, dentro do Multipalco, seja uma sala ou o que for.
Ainda não está definido o rumo dos associados. Hohlfeldt sublinha que sócios pertencem à Associação, como entidade privada, e não têm uma relação direta com o TSP. Ele aponta que com o fim da relação com a entidade privada, cessa também relação com os associados.
— Evidente, nós temos o máximo de interesse de manter essa relação. Daqui uma ou duas semanas, vamos propor uma reunião com os associados, nem que seja à distância, para discutirmos a situação. Por exemplo, os associados podem querer fundar uma outra entidade e se reaproximarem da Fundação. Temos que encontrar uma forma legal juridicamente para fazer essa relação.