Nesta sexta-feira (29), a Fundação Theatro São Pedro anunciou que não possui mais vínculo com a Associação Amigos do teatro. Em nota, a instituição, vinculado ao governo do Estado, afirmou que "foram esgotadas todas as tentativas para que se alcançasse a renovação do vínculo com a assinatura de um novo Termo de Cessão de Uso"
Na liderança da Associação há 20 anos, José Roberto Diniz de Moraes disse a GaúchaZH que foi surpreendido pela notícia. Nesta entrevista, ele afirma que estava em diálogo para que o reconhecimento da Associação fosse maior dentro da Fundação, merecendo um espaço dentro do complexo cultural Multipalco, que agora deve desocupar. Segundo Moraes, o Termo de Cessão de Uso reduziria a Associação a uma "concessionária" responsável pelo restaurante e pelo estacionamento da estrutura.
A desvinculação da Associação de Amigos com a Fundação Theatro São Pedro foi realizada em comum acordo entre instituições?
De modo algum. Estou estarrecido. A notícia me pegou de surpresa. Nos deixou sem fôlego. Foi um soco na boca do estômago.
A que o senhor credita o rompimento?
É um problema muito particular, na medida em que a Associação vem construindo o Multipalco há 20 anos. Ainda se constitui em obra. Todas as responsabilidades sobre a obra são da Associação. A responsabilidade civil, técnica, toda as autorizações sempre foram concedidas em nome da associação. Nunca entrou um tostão de verba orçamentária do Estado. E a Fundação achou que, por uma questão administrativa, algumas coisas que a associação sempre veio explorando ao longo do tempo em benefício da obra, devem ser agora objeto de concessão de uso da Fundação, como o restaurante e o estacionamento. Não temos nada contra isso. O que nós temos pedido é que, para fazermos isso, queremos fazer a entrega formal da obra para o Estado ou para a Fundação, até para nos eximirmos das responsabilidades legais e técnicas, porque a obra não está terminada. Como não está finalizada, a obra é da associação. Então não cabe a concessão de uso em cima de uma coisa que não é da Fundação.
Mas as obras não são construídas para a Fundação?
O objetivo da associação sempre foi construir isso para a Fundação. Porém, enquanto a obra não estiver terminada, ela é de responsabilidade exclusiva da associação. Não é responsabilidade do Estado, muito menos da Fundação. O que queremos é um termo claro de entrega de obra que ressalve responsabilidades. Querem se beneficiar, como se a gente não tivesse colocado todo esse dinheiro na obra. Não temos problema de prestação de contas com ninguém. Fazem dois anos que estão nos revirando de cabo a rabo e não conseguem encontrar absolutamente nada para questionar do ponto de vista legal ou de lisura de qualquer natureza. Todos os nossos recursos sempre foram investidos no Multipalco ou no Theatro São Pedro. É uma questão técnica que aparentemente não é reconhecida.
O comunicado afirma que houve "inúmeras tratativas" de diálogo.
A história é longa. Nos obrigaram a dispensar absolutamente todos nossos funcionários. Isso significa um passivo trabalhista absolutamente significativo. Nos deixaram 30 dias para fazer saber disso. A associação nunca foi uma terceirizadora de mão-de-obra. Começamos a fazer isso em 1999, exclusivamente em função do Theatro São Pedro, para garantir a excelência dos funcionários de palco. Nesse rastro, a associação foi absorvendo mais gente. De repente, nos avisaram um mês antes que esse modelo não servia mais e que não renovariam o contrato. De imediato, isso nos abrigou a dispensar todo mundo. Na última vez que conversamos com o diretor administrativo, casualmente ontem, eu disse: "Olha, aquelas questões todas de concessão, quem sabe deixa para mais tarde. Nós provavelmente teremos de fazer um empréstimo, teremos de penhorar nossa receita de estacionamento para fazer frente aos pagamentos necessários, para não ter problemas de ação trabalhista que, se existirem, vão afetar a própria fundação". Para minha surpresa e estarrecimento, agora de manhã, às 10h30min, o pessoal começa a me ligar para saber o que aconteceu. Nunca me passou pela cabeça que iam fazer um pronunciamento desses nas redes sociais.
O senhor não foi formalmente notificado?
Logo em seguida, recebi um ofício corroborando isso e, pior, nos dando uma semana para sair. Estão nos expulsando. Tudo porque não assinamos um concessão de uso sobre a qual estamos discutindo a capacidade da Fundaçao nos propor. Como a Fundação pode fazer uma concessão de uso sobre um próprio que não é dela? A obra é da associação.
O estacionamento e o restaurantes não são da Fundação?
Não. Nunca foram. Todo o Multipalco é obra, então é da associação.
E quando terminaria essa obra?
Bom, aí vai depender de captação. Estamos fazendo essa obra há quase 20 anos.
O que falta?
Do ponto de vista de construção civil, está pronta. O que falta são detalhes, equipamentos necessários que inviabilizam o uso enquanto não existem, como central térmica, por exemplo. O essencial já fizemos, o que falta é a vestimenta. Estamos fazendo por partes. Na medida em que conseguimos captar, a gente bota lá. Desde que entrou essa nova administração, temos sido praticamente impedidos de ir atrás de captação.
Também há os custos de manutenção do TSP.
Sempre colocamos como meta principal o funcionamento do Theatro. Quando entrei lá, o sistema era Dos, tinha um computador, uma impressora matricial e mais nada. Hoje, temos dois servidores, dois no-breaks, mais de 30 máquinas funcionando para Fundação e Associação. Nós equipamos toda a Fundação. Todo o equipamento foi colocado pela Associação. Essa é a nossa indignação. Esse é o nosso pedido: reconhecer que a associação tem um grau de relevância e não é simplesmente uma concessionária de uso de um restaurante e um estacionamento. A associação se sente na sua casa. Porque é a nossa casa. Construímos do zero. Passamos um ano e meio explodindo rocha e cavando para colocar os alicerces da obra. Não recebemos nem um tostão do governo para isso.
Para onde vai a Associação agora?
É esse desenho que a gente gostaria de deixar claro. O que a associação preserva daquilo que construiu? É isso que eles não querem reconhecer de jeito nemhum, que a associação tenha algum direito a um pedaço do espaço. Esse é o ponto. Querem nos fazer assinar de qualquer modo uma concessão de uso e o reconhecimento da associação fica para as calendas. Esse era o embate. Mas nunca, na minha mais delirante imaginação, eu pude imaginar que fossem fazer algo como fizeram hoje.
A Associação não quer se restringir ao papel de "concessionária"?
É um pouco isso. Além dos R$ 42 milhões que associação dedicou exclusivamente às obras do espaço, foram investidos também em material e em funcionários. A associação não colocou pouco dinheiro no TSP. E, no momento em que a gente simplesmente faz uma concessão de uso, tudo isso é ignorado. A associação não é irrelevante a esse ponto e merece o reconhecimento de um espaço que é seu, permanente, dentro do Multipalco, seja uma sala ou o que for. A localização da associação é ali, e em nenhum outro lugar. Negar isso é uma expulsão absolutamente descabida. Continuo sem saber entender.
Como fica a associação agora?
Não sei te dar essa resposta. Estamos fazendo uma tentativa junto a alguns órgãos. Pedimos uma audiência com o secretário de Cultura.
O que o senhor diria para os associados?
É exatamente sobre isso que estava me debruçando neste momento. Tenho que fazer uma comunicação aos associados, em cima disso que receberam hoje. Vou ter que contar toda a história que estou contando aqui. Mas falar a metade já dá um livro